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Oeste parananese: os resquícios de um passado indígena e espanhol 
É fundamental dizer que o Paraná ainda não existia.... Antes do ano de 1853, data de sua emancipação, não se pode falar em Paraná. Neste texto, a palavra Paraná será utilizada como forma de representar o espaço geográfico que hoje compreende o território parananense.

Pois bem, o início da colonização (ou da invasão, como queiram) do Paraná por estrangeiros ocorreu a partir de 1552. Na época, a região estava sob o domínio da Espanha, que desde o Tratado de Tordesilhas(1494) ficou legalmente reconhecida como detentora dos territórios demarcados no mapa ao lado. Ficou definido, então, que o Paraná fazia parte da Província do Rio da Prata.  
Os motivos que explicam esse interesse de colonizar a partir de 1552 são vários. Alguns pesquisadores explicam que os caciques Guarani da região pediram a proteção da Coroa. Outros, porém, reforçam os interesses políticos da Espanha para a colonização: o domínio sobre a população indígena, a garantia de posse do território, a busca por metais preciosos e o estabelecimento de uma saída para o Oceano Atlântico.  

Fato é que em 1554 foi fundada a primeira vila espanhola, às margens do Rio Paraná, próxima às Sete Quedas. Chamava-se Ontiveros. Em 1556, porém, ela foi substituída por outra vila, maior e mais duradoura, a conhecida Cidade Real del Guairá, atual Guaíra/ Terra Roxa, na foz do Rio Piquiri. 

Logo depois, em 1570, foi fundada a Villa Rica del Espiritu Santo I, a leste de Guairá (atualmente, seria próxima à pequena cidade de Nova Cantu, entre Cascavel e Campo Mourão). Ela foi rodeada por uma fortaleza e espiritualmente protegida através da construção de uma Igreja. Na época, suspeitava-se a existência de ouro na região, circunstância que levou à construção dessa vila. Em sua fundação, não havia mais que 50 homens, aspecto que marca o baixo número de estrangeiros até então. 
A Igrejinha da Serra, como também é chamada, está localizada na cidade paranaense de Fênix. Ela foi construída no século XVII pela ordem religiosa “Companhia de jesus” (os jesuítas, cujo fundador é Inácio de loyola) quando cumpria missões para a catequização de indígenas da região, sob mando da Coroa da Espanha. A capela é, portanto, um um símbolo da ocupação espanhola no oeste parananense.
Devido à epidemia de varíola em 1589, a Villa Rica del Espitu Santo I foi transferida para o norte do Paraná, entre Campo Mourão e Maringá, às margens do Rio Ivaí. No local, a população indígena e os recursos naturais eram maiores, aspectos que possibilitaram a sua construção. A então chamada Villa Rica del Espiritu Santo II foi estruturada da mesma forma que a anterior, com presença mais forte da Companhia de Jesus, dos jesuítas. Por isso, foi construída uma nova igreja, a Capela Santo Inácio de Loyola (da foto acima), e foi dado início a uma série de missões pelo Paraná.

Ao todo, sem contar as duas vilas existentes a partir de 1589, foram organizadas 15 missões jesuítas no Paraná. Para tal, os jesuítas estabeleciam relações amistosas com alguns indígenas, que os levavam para as aldeias; lá, eles eram incumbidos de catequizar os nativos. Essas missões duravam dois anos ou mais e seu objetivo final era, além de expandir a fé católica e ensinar ofícios aos indígenas, protegê-los dos ataques dos bandeirantes paulistas. 
Cidade Real del Guairá e Villa Rica del Espiritu Santo II: o passado que a arqueologia resgatou
Guairá não deixou resquícios evidentes desse passado indígena e espanhol. Porém, a partir de pesquisas arqueológicas encabeçadas por cientistas paranaenses, notou-se que, embaixo do que hoje é floresta, existem estruturas daquela sociedade colonial. A imagem ao lado é uma reprodução em maquete do que pode ter sido Guairá, feita pelo Museu Paranaense

Essa maquete tem como base o chamado Sítio Arqueológico da Cidade Real do Guairá. Situado na esquina entre os rios Pananá e Piquiri (que 
compreenderia antiga Guairá), ele tem permitido diversos estudos sobre o passado parananense, principalmente das características que não podem ser apreendidas através dos documentos escritos, mapas ou arquitetura. 
A partir do estudo sobre o sítio arqueológico, pode-se perceber a divisão habitacional da região. Havia casas, oficinas, olaria, colégio, cemitério, por exemplo, que ocupavam cada qual um daqueles retângulos e eram cobertas com palha ou goivas. Esses retângulos eram os muros, feitos de taipa de pilão (terra vermelha umedecida e comprimida), material também utilizado na estrutura das demais construções. Essas áreas obedeciam a um traçado planejado, para formar quarteirões. Entre os quarteirões havia ruas medindo 10 ou 15 metros de largura, que se cruzavam entre si e formavam ângulos de 90º. Alguns espaços não possuíam muro: eram as praças e a igreja, que ficavam protegidas no centro da vila. 
Villa Rica também não nos legou muitos resquícios. A primeira Villa, nenhum. A segunda, porém, situada no que hoje seria a cidade de Fênix, deixou alguns. O primeiro deles é a Igrejinha da Serra, que está sendo preservada graças à ação da população local. Além da Igrejinha, a pequenina Fênix possuiu um sítio arqueológico transformado em parque estadual, com um museu situado dentro desse parque. No chamado Parque Estadual Vila Rica do Espírito Santo estão expostas cerâmicas e artefatos dos índios Guarani, que foram encontrados no local. 
Nele também há as ruínas da cidade colonial espanhola. A área é protegida e desde 1948 é considerada parque estadual. Além disso, o museu também é reconhecido desde 1990. O Museu de Vila Rica, como é conhecido, foi criado graças às pesquisas do Museu Paranaense, desde 1956. 

Ali pertinho, na cidade histórica de Santo Inácio, há o museu da cidade. Ele também possuiu artefatos históricos da colonização espanhola no Paraná a partir do século XVI e da sociedade indígena Guarani que povoava o território. 
A expulsão de indígenas, jesuítas e espanhóis e o legado desse passado parananense
Apesar de haver amistosas relações entre indígenas e espanhóis (inclusive de casamento entre eles) num todo os conflitos eram intensamente presentes. Primeiro, porque a relação entre ambos era desigual, uma vez que os indígenas eram considerados, e tratados, como escravos; logo, não foi uma nem duas vezes que houve fugas de nativos e lutas. Segundo, nem todos os indígenas aceitavam de bom grado as missões jesuítas, e delas também fugiam. Terceiro, o contato entre culturas distintas gerou inúmeras doenças e epidemias, levando à morte muitos estrangeiros e nativos. Quarto e último, a ação dos bandeirantes vindos de São Paulo para a captura de índios era frequente, o que transformou o ambiente em um espaço de tensão.

De todo modo, o fim da presença espanhola e jesuíta está ligada ao seguinte processo: os moradores intensificaram o processo de escravidão, ao ponto de dificultar as missões jesuítas. Essa tensão entre clérigos e leigos desprestigiou a ação religiosa; sabendo dessa fragilidade da união entre os estrangeiros, os bandeirantes, liderados por Raposo Tavares (que atualmente é até nome de rua), passaram a raptar grande parte dos nativos e a destruir as missões. Por conta disso, entre 1600 e 1632, todos os jesuítas fugiram para o lado oeste do rio Paraná, acompanhados também pelos moradores das duas vilas. Estes começaram a ser constantemente cercados pelos bandeirantes, forçando-os a fugir. Guairá e Villa Real, enfim, foram tomadas pelos bandeirantes em 1632 e posteriormente abandonadas
Os bandeirantes, portanto, marcaram o fim da presença espanhola no oeste do Paraná. Além disso, também representaram o aumento de mortes, aprisionamento e escravidão de indígenas, sendo milhares deles levados à força para São Paulo. Isso não significa, porém, que somente eles são os vilões da história: a presença estrangeira, anterior aos paulistas, contribuiu significativamente para a quase extinção da população indígena, principalmente a Guarani.

De todo modo, é importante ressaltar o pioneirismo espanhol na colonização do Paraná. Não, não foram os portugueses os primeiros, nem teria como sê-los. Pra se ter uma ideia, a primeira cidade fundada por portugueses no estado foi Paranaguá, em 1648. A chegada deles e a povoação do oeste, porém, só aconteceu de fato do século XVIII em diante. Os bandeirantes não contribuíram para a conolização, muito menos a Coroa Portugesa, algo que fica evidente quando se nota a ausência de relatos sobre o oeste do Paraná entre 1632 e 1770. Isso nos leva a dar imensa importância aos espanhóis na história do estado.

A cultura espanhola contribuiu, portanto, para tornar a história do Paraná mais plural e inclusiva, afinal, eles são constituintes da nossa identidade. As vilas Guairá e Espiritu Santo são provas disto!
Fontes
MARTIN, Bruno M. L.. “Villa Rica Del Espiritu Santo: entre o projeto de construção de uma usina hidrelétrica e a defesa do bem cultural”. 2013.

PARELLADA, Claudia Inês. “O Paraná espanhol: cidades e missões jesuíticas no Guairá”. In: Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (org). Missões: conquistando almas e territórios. Curitiba: Imprensa Oficial, p.59-80.
ITCG: http://www.itcg.pr.gov.br/arquivos/File/Produtos_DGEO/Mapas_ITCG/Sitios%20Arqueologicos/Matriz_cid_real.pdf

Viaje Paraná: 
http://www.viajeparana.com/Fenix

Globo:
 https://redeglobo.globo.com/rpc/meuparana/noticia/as-lendas-que-rondam-a-igrejinha-no-alto-da-colina-do-municipio-de-fenix.ghtml

Museu Paranaense: 
http://www.museuparanaense.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=31

Gazeta do Povo:
https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/o-parana-que-um-dia-foi-espanhol-98pvcxqle1mx9s5a1jo3z9i6m/

Texto e pesquisa: Gustavo Pitz
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