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Terreiro Pai Maneco e a Umbanda no Brasil

O dia 21 de março é a data escolhida pela Organização das Nações Unidas como o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. Aproveitando a data, no Brasil foi sancionada uma lei, neste mesmo ano de 2023, instituindo 21 de março como Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé.


É uma data de celebração das tradições, de rememoração, mas sobretudo de luta, tendo em vista toda a história da população e das tradições afro-brasileiras.


De modo a contribuir com a memória das tradições das matrizes africanas e nações do Candomblé, esse artigo vai contar um pouco da história da Umbanda no Brasil e da história do maior terreiro de Umbanda do Paraná: o Terreiro Pai Maneco, localizado em Curitiba.


Afinal, falar sobre a umbanda é falar sobre a história do Brasil, uma vez que a Umbanda é um “um  microcosmo  da  cultura  brasileira”  e  “diz  sobre  a  realidade  brasileira  e  não  diz pouco”, afirmam Fernando Brumana e Elda Martinez (1991, p. 143). 



A Umbanda no Brasil


O episódio que originou a tradição da Umbanda no Brasil aconteceu no Rio de Janeiro no início do século passado. Zélio Fernandino de Moraes, homem nascido em 10 de abril de 1891 em São Gonçalo, foi o intermediário escolhido pelos espíritos para divulgar a religião aos homens.

Certo dia, quando Zélio tinha 17 anos, começou a falar em um tom manso, com um sotaque bastante diferente do seu e do da região onde vivia, aparentando um senhor de idade avançada.


Diante disso, seus familiares acharam que ele estivesse com algum distúrbio mental e o levaram ao seu tio, Dr. Epaminondas de Moraes, Diretor do Hospício de Vargem, que não encontrou seus sintomas na literatura médica e sugeriu que ele fosse levado a um padre para uma sessão de exorcismo. O “exorcismo” foi feito e nada mudou.


Algum tempo depois, Zélio teve uma paralisia que não conseguiu ser curada pelos médicos, mas declarou, certa noite, que no dia seguinte estaria curado e assim aconteceu. Devido a esse episódio, que não conseguiu ser explicado pelos médicos, Zélio foi levado a uma sessão espírita. Nessa sessão começaram a se manifestar diversos espíritos de negros escravos e indígenas nos médiuns presentes. Esses espíritos foram convidados a se retirar pelo dirigente José de Souza (Zeca) que os via como atrasados do ponto de vista espiritual, cultural e moral.


Enviado por Santo Agostinho, o Caboclo das Sete Encruzilhadas se manifestou e proferiu um discurso defendendo as entidades que estavam sendo discriminadas por sua cor e por sua classe social.

 

Os dirigentes da sessão tentaram afastar o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Depois dessas tentativas, o Caboclo afirmou que, não havendo ali lugar para a manifestação dos espíritos “atrasados” de negros e índios, ele mesmo fundaria, na noite seguinte, na casa de Zélio, um novo culto, onde essas entidades poderiam exercer sua missão da caridade.


Foi assim que, na noite do dia seguinte, 16 de novembro de 1908, na casa de Zélio, o Caboclo das Sete Encruzilhadas novamente se apresentou, declarando a fundação de um culto espírita no qual Caboclos e Pretos Velhos poderiam trabalhar.


Determinou que a humildade, visando a prática da caridade, seria a característica principal do culto; que este teria como base o Evangelho Cristão e como mestre maior Jesus; que o uniforme utilizado pelos médiuns deveria ser branco e que todos os atendimentos seriam gratuitos, fundando, assim, a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, destinada a abraçar a todos os necessitados, como Maria abraçou o Cristo. (site da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade)


Terreiro Pai Maneco


Em Curitiba, um dos maiores e mais tradicionais terreiros, não só da cidade como do estado, é o Terreiro Pai Maneco. Números de 2021 dão conta que o terreiro conta com 1656 médiuns ativos distribuídos em 13 giras, que são os encontros realizados por um dirigente - pai ou mãe de santo - e seus filhos de santo.


O terreiro foi fundado em 1987 por Fernando Macedo Guimarães, o Pai Fernando de Ogum (1937-2012). A primeira gira aconteceu na garagem da casa da prima Gilda Máximo, madrinha oficial do terreiro. Além dela, estavam presentes no encontro inaugural e permanecem no terreiro os médiuns Lucilia Guimarães, José Carlos Bittencourt e Roberto Guimarães. Por mais de dez anos, os encontros do terreiro aconteciam na Faculdade Espírita. Em 1999, a sede própria é inaugurada no Bairro Santa Cândida, onde permanece até hoje.

O terreiro conta com mais de 30 anos de tradição, seguindo a filosofia “Pés no Chão”, que foi formulada e organizada pelo próprio Fernando, que a define como “Umbanda simples e sem mistificações, onde prevaleça o respeito mútuo, a caridade e o amor fraterno como formas de evolução humana“ (GUIMARÃES et al., 2019, p.18).


A tradição sempre esteve acompanhada de uma atenção para as novas necessidades que se apresentavam e que provocavam mudanças no terreiro. Um exemplo disso é o aproveitamento de dois anexos, um para a realização de giras simultâneas com diferentes dirigentes e outro para eventos culturais e educativos.


“a gente tenta fazer com que a cultura entre cada vez mais dentro dos médiuns, isso porque a gente quer dar informação junto com a religião. Formação em todos os sentidos” (GUIMARÃES et al., 2019, p.16)


O terreiro cumpre não apenas um papel religioso, mas também cultural e educacional, no sentido de formar cidadãos.


Por conta da longevidade do terreiro, a tradição se faz presente também em grupos familiares, passando de geração em geração e reforçando a afetividade que envolve a prática da Umbanda, assim como o sentimento de pertencimento a um grupo.


"A história do TPM em Curitiba é muito importante porque desmistificou muito, fez com que a religião tivesse um outro rumo e outra importância. Fez com que a Umbanda entrasse nas famílias e hoje temos famílias inteiras dentro do terreiro. (GUIMARÃES, Lucília. Episódio podcast “Umbanda sem paredes”, TPM, 16 de julho de 2021)

Um fato que reforça a importância do fundador do terreiro, Pai Fernando de Ogum, e do próprio terreiro, aconteceu no carnaval de 2015. Na ocasião, a Escola de samba curitibana Acadêmicos da Realeza teve como tema a “História de Curitiba pelas mãos de Fernando Guimarães”. Em entrevista ao G1, em 2015, o carnavalesco Felipe Guerra explicou a escolha e a importância do tema:


"Começamos com o sonho de carnaval do menino Fernando, quando ele via o carnaval da Rua XV. Passamos a contar então a história desde criança, depois jornaleiro, até chegar ao final da vida, quando ele funda o Terreiro do Pai Maneco. (...) O Fernando Guimarães faleceu há dois anos, mas já há três a comunidade do terreiro vem frequentando a escola, formando um grupo forte aqui dentro."

Assim, podemos afirmar que o Terreiro Pai Maneco não é um espaço importante apenas no sentido religioso, mas também no sentido de fazer parte da história da capital paranaense, cultural e socialmente.


Conclusão


Mesmo sendo um país onde o direito à liberdade de religião é garantido pela Constituição, duas datas precisaram ser instituídas no Brasil para garantir essa liberdade e combater a intolerância religiosa: o dia 21 de janeiro é o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa há mais de 15 anos e agora, neste ano de 2023, também acata, a exemplo da ONU, o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé.


As religiões de matriz africana são as que mais sofrem com a intolerância e o racismo, segundo um estudo realizado pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), que revelou que 71% das vítimas que sofrem ataques e violências religiosas no Brasil são Umbandistas e Candomblecistas. Por isso, a diversidade e liberdade religiosa é uma causa de todos.



Não à toa, a equipe do Turistória vem realizando muita pesquisa e construindo uma ideia de divulgação das inúmeras manifestações culturais e de fé representadas em nossa região, pois acredita que a educação é um caminho necessário para evitar a intolerância religiosa e que é preciso “Conhecer para Respeitar”!


Texto e pesquisa de Gabriel Brum Perin


Fontes de pesquisa:


https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2023/01/10/lei-define-21-de-marco-como-o-dia-nacional-tradicoes-africanas


JUNIOR, Mário Teixeira de Sá. A INVENÇÃO DO BRASIL NO MITO FUNDADOR DA UMBANDA. Revista Eletrônica História em Reflexão: Vol. 6 n. 11

– UFGD - Dourados jan/jun 2012. Disponível em: https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/1892/1055


DIAS, Maria Andreotti. “Umbanda sem paredes”: estratégias para o exercício da religião na pandemia. Equatorial, Natal, v. 9, n. 16, jan./jun.2022. Disponível em:

 https://periodicos.ufrn.br/equatorial/article/view/26492/15511


https://www.tensp.org/historia


https://www.paimaneco.org.br/2017/07/20/historia-da-umbanda-caboclo-das-sete-encruzilhadas/


BRUMANA,  Fernando  G.  &  MARTINEZ,  Elda  G. Marginália  Sagrada. Campinas:  Ed.  da Unicamp. 1991.


https://territoriogoncalense.blogspot.com/2010/11/sao-goncalo-berco-da-umbanda.html


GUIMARÃES,  Lucília  Mello;  MENDES,  Maria  Cristina; CAROLLO  Laércio Ricardo Mattana; WANDERLEY Carolina de Castro. Terreiro do Pai Maneco: Umbanda Pés no Chão. Curitiba, edição do autor, 2019. Disponível em: <
https://www.paimaneco.org.br/sitenovo/wp-content/uploads/2020/02/A-Umbanda-do-TPM_site.pdf>


https://www.estudoemdia.com.br/diversidade-religiosa-importancia-respeito/
Artigo de 19/01/2022.


https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/02/academicos-da-realeza-desfila-vida-de-pai-fernando-de-ogum.html


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