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Vladimir Kozák: o imigrante europeu que ajudou a construir uma história menos europeia do Paraná 
Todo brasileiro sabe da importância da imigração europeia para a construção da história do país. No Paraná, espanhóis, portugueses, alemães, italianos, ucranianos, poloneses, holandeses e até franceses e ingleses - além dos não europeus, como japoneses e chineses -, foram fundamentais para a constituição do Estado em todos os sentidos: na economia, na cultura, na sociedade e até na política. Mais do que no âmbito social, a influência é familiar, pessoa. Afinal, quem aqui no Sul não se lembra das histórias dos nossos avós e bisavós sobre o doloroso passado após a chegada no Brasil, a falta de comida, o excesso de trabalho, a saudade dos que não vieram, as perdas familiares e outros tantos percalços que fizeram parte da trajetória individual de cada imigrante?
Pois bem, esse é um capítulo importante da história do Paraná, porém é necessário lembrar que não é o único. Antes dos europeus, a região paranaense era habitada por grupos indígenas, dentre eles os Xetá, Kaingang e Guarani. Até hoje, essa população exerce uma profunda influência na cultura paranaense, sendo ela uma parte constituinte da identidade do nosso Estado. Embora quase sempre esquecidos na atualidade - assim como os negros, os caiçaras, os pobres, as mulheres, o grupo LGBT -, esses grupos são igualmente participantes do desenvolvimento do Paraná, e por isso é essencial que sua memória seja preservada para as gerações futuras. E é nessa tarefa de valorização da população indígena que Vladimir Kozák ganhou destaque.
O passado de Kozák: o que fez esse tcheco parar no Paraná?

Vladimir Kozák nasceu em 19 de abril de 1897 no Império Austro-Húngaro, em Bystrice ped Hestynem, na região da Morávia - região onde nasceu Sigmund Freud e que atualmente fica na República Tcheca, na fronteira com a Eslováquia. Seus pais, Francisco e Adolfina Kozák, tinham uma pequena empresa de metalurgia, e por isso sua infância não foi coberta de luxo. Depois de concluir o ensino básico, ele se mudou para uma cidade próxima, Brno, já que a sua terra natal era rural e distante dos centros urbanos. Em 1917, Kozák ingressou no curso de engenharia mecânica, além de estudar escultura e pintura, carreira artística também seguida por sua irmã Karla. Ao se formar, o engenheiro tcheco conseguiu um estável emprego na multinacional de exploração de energia Blond & Share. A partir de então, Kozák viu sua vida se aproximar do Brasil, pois a companhia para a qual ele trabalhava possuía complexos industriais na Bahia e em Minas Gerais. Logo, foi questão de tempo para que ele fosse encaminhado a trabalho para o Brasil

Com muitas promessas salariais, Vladimir Kozák desembarcou na cidade de Vitória (ES) em 1924, tendo então apenas 27 anos. Depois de se mudar para a Bahia em 1930, onde também assumiu um cargo de engenharia, em 1933 Kozák transferiu-se para Belo Horizonte, como gerente do Setor Técnico da Companhia Força e Luz de Minas Gerais. Nesse meio tempo ele já era membro da National Geographic Society e havia exposto 8 pinturas sobre temas do cotidiano brasileiro: desde quando chegara no Brasil, o artista combinava sua função técnica com a paixão pela fotografia, pintura e filmes sempre relacionados à cultura brasileira. Finalmente, em 1938, ele se mudou para Curitiba para trabalhar na Companhia Força e Luz do Paraná, atual Copel (Companhia do Paraná de Energia Elétrica) 
Bom, sabemos que o Kozák era um engenheiro de mão-cheia que trabalhou pelo mundo afora. Mas então como ele teve contato com os indígenas do Paraná?
Quando ele chegou a Curitiba, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná - atual UFPR - tinha sido recém inaugurada, circunstância que concentrou centenas de intelectuais na cidade. Além disso, havia uma crescente demanda por profissionais que se destacavam na área cultural. Kozák, como se sabe, filmavafotografava e pintava com técnicas muito refinadas. Assim, foi questão de tempo para que ele ficasse conhecido na região.

Na verdade, em 8 anos de Curitiba ele já estava contratado pelo Museu Paranaense, por intermédio do então diretor, o médico e antropólogo José Loureiro Fernandes, para a área de Cinema Educativo voltado à etnologia.
 Além disso, em 1950 ele foi selecionado para ocupar uma área semelhante dentro da Universidade do Paraná, no Instituto de Pesquisa, sendo em 1953 ligado ao Departamento de Antropologia, tudo isso por indicação de José Loureiro - que ocupava a cátedra de Antropologia da Universidade. 
Foi efetivamente a partir do contato com Loureiro que Kozák chegou aos grupos indígenas. É verdade que alguns anos antes ele havia tido contato com algumas etnias próximas a Foz do Iguaçu, mas as suas expedições mais regulares se deram a partir da década de 50. Primeiro com os Xingú (MT), em 1952, e depois com as etnias do Paraná. Em 1955, conheceu os até então desconhecidos Xetá, na Serra dos Dourados (região de Umuarama, no noroeste do Paraná). Durante 5 anos, entre 1957 e 1961, suas ligações com essa população foram intensas. Aposentado desde 1954, Kozák bancava suas próprias viagens e, com recursos próprios, subsidiava todos os seus custos, tanto com a fotografia quanto com a filmagem. 
Sua produção era importantíssima, pois servia como material de estudo ao Departamento de Antropologia, o que na verdade era um interesse de Loureiro. Para Kozák o interesse já era outro: a paixão pelo grupo Xetá. 
Ao longo de suas viagens ao oeste do Paraná, Kozák aos poucos desenvolveu uma forte ligação com seus fotografados. Embora inicialmente visse os indígenas como primitivos, ou seja, como “mais atrasados” (visão que é muito criticada atualmente), aos poucos ele foi desconstruindo essa concepção. Kozák queria ser um deles, tinha apego à humildade. Por isso estendeu suas visitas, muitas vezes sozinho ou na companhia de sua irmã, Karla, até o ano de 1967, com 77 anos

Graças a essa dedicação ele pôde contribuir historicamente, produzindo um amplo arquivo de imagens sobre os grupos indígenas do Paraná, como os Kaigang e os Xetá, além de registrar também outros aspectos da cultura popular paranaense, como as Cavalhadas de Palmas e a Congada da Lapa. Esse imenso arquivo deixado por Kozák encontra-se no Museu Paranaense e no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR, que, somados, possuem mais de 9.000 fotos e 120 filmes, além de slides, negativos e milhares e iconografias.

 Aos 81 anos, em 3 de janeiro de 1979, Vladmir Kozák faleceu em Curitiba, sem deixar herdeiros.
O legado de Kozák

Além de registrar em imagens a cultura paranaense e seus aspectos cotidianos, Kozák contribuiu para a descoberta do grupo indígena Xetá, bem como permitiu a preservação da sua memória e de outras tantas etnias que conheceu. Porém, a importância dele fica ainda maior quando se sabe do que aconteceu aos Xetá: a partir da década de 1960, eles foram praticamente extintos pela ação de grandes proprietários no interior do Paraná, que se apropriaram de suas terras e os expulsaram, sendo muitos deles mortos nesse processo. Por isso, ele teve compromisso com a história dos esquecidos. Kozák registrou na história os que foram expulsos dela, ajudando assim, na construção de uma história do Paraná mais inclusiva e plural.
Informações obtidas através da tese de doutorado de Márcia Cristina Rosato, cujo título é Uma constelação de imagens: a experiência etnográfica de Vladimir Kozák (2009, UFPR).
Imagens retiradas do site do Museu Paranaense 

Texto e pesquisa por Gustavo Pitz.
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