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Bar Triângulo, o “Cachorro”

Origem

 

O Bar Triângulo, fundado em 1934 e localizado até hoje no mesmo endereço, no final da Rua XV - na Boca Maldita, o coração da cidade - é um dos mais tradicionais de Curitiba. O prédio histórico em que está localizado é uma Unidade de Interesse de Preservação.

 

Recentemente, o Bar foi escolhido para integrar a pesquisa da Dr. Maria do Carmo Brandão Rolim, que deu origem ao livro “Bares e Restaurantes de Curitiba: décadas de 1950 e 1960”, publicado pela editora curitibana Máquina de Escrever em 2019. O livro (interessantíssimo!) foi base para esse artigo e pode ser adquirido no site da editora, basta clicar no botão abaixo:


Famoso por seu cachorro-quente, os símbolos de maior identidade do Bar Triângulo são duas placas luminosas em formato de triângulo. Em uma delas há um desenho de cachorro (da raça pastor alemão) com uma salsicha (ou vina, como o leitor preferir de acordo com sua origem) na boca, com a palavra “Quente” escrita sobre o animal. Na outra há o contorno de um cachorro logo acima dos dizeres “Bar Triângulo Desde 1939”. Ambas ficam penduradas sobre a entrada do local.


Como o nome sugere, triângulo deriva da estrutura interna do bar, pois as paredes laterais são em diagonal e, junto com a linha reta da entrada, formam um triângulo. Já a escolha do cachorro como logomarca é por conta do cachorro-quente ali servido; imaginamos que o pastor alemão, em específico, tenha sido ideia do mais famoso dono do Bar Triângulo, o imigrante alemão Rodolfo Rudi Blum.

 

Acreditamos que Rudi Blum tenha comprado no final dos anos 30 o Bar Triângulo e o prédio histórico onde ele está sediado. Até então os donos do bar eram o Sr. e a Sra. Rickert, um casal de imigrantes alemães, e o nome do estabelecimento já era Triângulo. Foram eles, inclusive, que começaram a comercializar o cachorro-quente, que era produzido pelo reconhecido cozinheiro Paulo (o jornal Diário da Tarde não informou o seu sobrenome). Isso explicaria o porquê está escrito na placa do Bar “desde 1939”, ou seja, o presumível ano em que Blum assumiu o negócio. 

 

Querela do cachorro-quente

 

Existe um debate sobre quem começou a vender cachorro-quente em Curitiba. Muitos dizem que foi o Bar Triângulo. Outros defendem que quem introduziu o sanduíche foi a família italiana Amatuzzi, proprietária do Bar Mignon. Mas evidências indicam que não foi nenhum dos dois.

 

Analisando jornais da década de 1930, sabemos que o primeiro local (noticiado) a vender cachorro-quente na capital foi um bar chamado “Cachorro Quente”! Seu proprietário era Miguel Urbanik, e estava localizado na Av. Marechal Floriano Peixoto, entre a Rua XV e a Praça Tiradentes, numa região que foi povoada por comerciantes alemães. 

 

Sabe-se que em 1932 o “Cachorro Quente” sofreu um incêndio, mas graças ao seguro do imóvel, pouco tempo depois já estava de portas abertas. No dia 4 de outubro de 32, o jornal O Dia noticiou:

 

“Cachorro Quente. Reabrirá hoje este famoso estabelecimento, reiniciando a fabricação dos afamados sandwiches “Cachorro Quente”, sendo que somente aqui poderão os srs. clientes saborear os deliciosos “cachorrinhos” Originaes encontrando também sortimento de bebidas nacionaes e estrangeiras. Rua Marechal Floriano, n.44.”

 

Logo Miguel Urbanik popularizou o cachorro-quente, “sandwiche” tradicionalmente alemão, em Curitiba, tanto que, anos depois, diversos foram os estabelecimentos que passaram a vendê-lo. O Bar Triângulo foi um deles e acabou sendo responsável por tornar ainda mais famoso o “pão com vina” nas décadas seguintes.¹[1]


1 Vale lembrar que em Curitiba, diferentemente de outros lugares, como nos EUA, a salsicha utilizada para a feitura dos “cachorrinhos” era a vienense. A Wiener Wurst, nome original da salsicha (wurst) vienense (wiener), foi inventada no século XIX pelo alemão Johann Georg Lahner, em Viena; era feita da mistura de carne bovina e suína. Como o nome “Wiener Wurst” era de difícil pronúncia, os curitibanos simplificaram para “vina”.

Décadas de ouro do Bar Triângulo

 

O casal Blum, Rudi e Guilhermina, passou a morar nos andares superiores do Bar Triângulo e, para isso, diversas reformas foram feitas naquele prédio histórico. Sob a administração de Rudi, o bar foi revitalizado e reinaugurado em 1º de abril de 1944, momento em que ele mostrou a todos a nova fachada com a placa luminosa, que foi colocada nesse dia e jamais alterada. Por conta da fachada, o Triângulo ficou popularmente conhecido como “Cachorro”.

 

Isso marcou o início das décadas mais famosas do Bar. Além do já reconhecido cachorro-quente, que inicialmente era feito com linguiça e pão d’agua e, depois, com vina — molho de pernil, salada de batatas, salsa e cebolinha verde eram os acompanhamentos característicos — , também passou a ser servido o pernil de porco com cheiro verde. Além dessas duas especialidades, o Triângulo também servia o filé de alcatra com arroz, tomate, cebola, batata-frita e maionese.


Esses pratos eram semelhantes aos do vizinho e concorrente Bar Mignon, que passou a ser sediado no mesmo prédio do Triângulo em 1946 (Rudi Blum foi sócio do Mignon).

Mas apesar da concorrência, a clientela desses dois bares (e dos demais) era fiel, e as personalidades políticas, artísticas, jornalísticas e futebolísticas que diariamente apareciam por ali, revezavam-se entre um e outro. Os bares do centro de Curitiba e arredores se destacavam, antigamente, por serem pontos de encontro das mais variadas pessoas, mas sobretudo de jornalistas. Isso se dava pelo fato que as redações dos jornais da época eram todas localizadas na região. A Gazeta do Povo e o Diário da Tarde, por exemplo, estavam na Rua XV de Novembro, bem próximos aos bares.

 

E havia não apenas a questão geográfica mas também a questão do horário. Tradicionalmente, os jornais fechavam suas portas no início da madrugada. Assim, muitos jornalistas buscavam algum lugar para comer e/ou beber após longas horas de expediente. Como o horário que eles saíam das redações era tarde da noite, suas opções de onde ir não eram muitas. Na Curitiba da segunda metade do século passado, os estabelecimentos mais frequentados que abriam nesse horário eram o Bar Triângulo e o Bar Palácio (sobre o qual você ler neste link). O Bar Triângulo era considerada a opção mais acessível financeiramente entre os dois, com pratos mais simples, como sanduíches e o tradicional cachorro-quente. Por isso acabava reunindo também muitos jovens e estudantes, cujas faculdades ficavam nas vizinhanças.

 

Além da fome e da sede com que os jornalistas saíam das redações, havia também a necessidade de socializar, conversar sobre trabalho, sobre as pautas dos jornais, sobre política, sobre os mais variados assuntos. Os bares em geral - e nesse caso o Triângulo - atendiam a essa demanda de comunicação.

 

Longe das estruturas econômica ou política, a comunicação enquanto função essencial, perfeita, inscreve-se nos lugares mais humildes, nas situações mais banais. É conhecido que, quando num vilarejo ou num bairro um bar fecha suas portas, é um pouco de vida que cessa. No espaço humilde onde se exprimem tantas alegrias e desventuras, nesse espaço onde estão em jogo tantos afetos e conversações, a sólida trama social se constitui gradativamente. (MAFFESOLLI, 1984, p. 61)  

 

Por esses motivos, o Bar Triângulo se consolidou no cotidiano dos curitibanos, na paisagem e na história da Cidade. Além disso, o Bar Triângulo tinha um diferencial que era o seu proprietário, Rudi Blum, que se notabilizava por ser um exímio contador de histórias para quem quisesse ouvir.

 

Trinta e cinco anos participando das fossas e alegrias dos fregueses de um bar, isso é motivo para samba. Ainda mais quando esse alguém é o próprio dono do bar, no número 38 da Rua 15 de novembro, em Curitiba, cujas histórias curiosas 'dariam para escrever um livro bem interessante'. Rudi adora ficar horas e horas contando fatos pitorescos do seu bar e da sua vida: um cachorro-quente famoso, as reuniões para contar piadas nas rodinhas de chope, as despedidas - como a dos expedicionários, quando partiram para a Itália - e as comemorações dos amigos que o acompanham até hoje numa rodada ou num simples bate-papo. Famoso pela sua especialidade -.cachorro quente - o bar tornou-se tradicional e ainda hoje é ponto de freqüência das mais variadas classes e idades (INFORMATIVO SOUZA CRUZ, set./out. 1973). 


No conturbado cotidiano da XV de Novembro, quando na via ainda havia asfalto para carros, as mesas do Bar Triângulo ficavam na calçada, sendo o ambiente sempre muito convidativo a quem ia nos cinemas e lojas da Boca Maldita. Além de boa comida, havia bom chopp com “colarinho de padre”, que talvez fosse a maior testemunha de dramas e histórias de amor contadas nas antigas mesas de mármore.

 

A altura da Rua XV em que o Bar está localizado era também tradicionalmente conhecido como o “ponto dos músicos” pelo fato de que muitos artistas ali faziam suas apresentações. O Bar, inclusive, já foi cenário para capa de álbum musical. O Bar Triângulo é cenário da capa do “Extended Play” (EP) “Pudim”, da banda curitibana Squalidus Johnsons.

Nas décadas de ouro do Ocidente, entre os anos de 1950 e 1960, a geração baby boomer - pessoas nascidas no pós-guerra, entre 1945 e 1964 - deu ainda mais vida ao Bar Triângulo. O sucesso foi tanto que Rudi Blum fez uma grande reforma no bar em 1955, e no mesmo ano comprou um terreno em Piraquara, perto da Estrada da Graciosa, onde foi construído o “Castelo de Blum”, casa de chácara da família que demorou 10 anos para ser finalizada e valia, na época, 1 bilhão de cruzeiros. Nesse período Rudi Blum também ficou conhecido por participar de campeonatos nacionais de halterofilismo e por adestrar cães. 


Fechamento da XV de Novembro e dias atuais

 

Em 1972, a Rua XV de Novembro foi fechada para o trânsito de carros, sendo permitida apenas a passagem de pedestres. A medida foi tomada com o objetivo de desafogar o trânsito da cidade, fazendo com que ele não se concentrasse tanto no centro, além de estimular as diversas atividades que poderiam ser realizadas ao longo do calçadão.

 

Inicialmente, o projeto sofreu forte resistência dos comerciantes da Rua. Ao longo do tempo, no entanto, o sucesso foi total. A Rua XV, desde então e até hoje, mantém-se como uma das mais movimentadas da cidade.

 

A partir dessa mudança, o Bar Triângulo pôde ampliar o espaço em que ficavam as mesas na calçada, e instalar as mesas acrílicas e os toldos roxos. Hoje, quem frequenta o bar pode se sentar ao ar livre, observando o movimento de quem passa pela rua mais famosa de Curitiba - ótimo programa para um dia de verão.

 

É bem verdade que o movimento não é o mesmo de outros tempos, assim como o funcionamento do bar, que passou a fechar mais cedo por conta da segurança. A gerência também mudou, pois Rudi Blum morreu em maio de 1983. Sua morte foi muito lamentada também pelo que ele representava para a história de Curitiba. Relata o jornalista Aramis Millarch que

 

Com Rudi Blum, imigrante alemão que chegou a Curitiba há quase 50 anos, morreu também grande parte da memória de uma história não oficial e que até hoje não teve registros em livros e mesmo em outras publicações: a dos bares da cidade. (MILLARCH, 1983)

 

Por um bom período, o Bar Triângulo foi administrado pela viúva Ana Maria Blum (sua segunda esposa, provavelmente) e Alvino Luiz Cecchin; hoje, não sabemos quem o administra, pois não nos permitiram fotografar o interior do bar e colher mais informações a respeito dele. Felizmente, o garçom Gerson, que ali trabalha há mais de 30 anos, de forma atenciosa nos contou algumas histórias.

 

Todavia, mesmo com essas mudanças, à revelia do passar do tempo e do esquecimento, o Bar Triângulo continua firme no cenário curitibano, preservando receitas, tradições, histórias e, claro, a emblemática placa luminosa, que não tem data para ser aposentada. 

 

Bar Triângulo, Rua XV de Novembro, Boca Maldita, n.36 (desde sempre), aberto de domingo a domingo, das 10 às 24.


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