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Bar Mignon: uma longa história familiar

Origem

 

Ao lado do Bar Triângulo (sobre o qual já escrevemos) está, há 76 anos, o Bar Mignon, outro ícone da boemia curitibana. Para muitos, o Mignon foi fundado em 1925 por Heitor Amatuzzi, mas Heitor Amatuzzi Jr., filho do fundador, defendia outra data: “Quem fundou o bar foi meu pai Heitor Amatuzzi, em 12 de maio de 1927!”.  Localizado no final da Rua XV - na Boca Maldita, o coração da cidade - é um dos mais tradicionais de Curitiba. O prédio histórico em que está localizado é uma Unidade de Interesse de Preservação.

 

Recentemente, o Bar foi escolhido para integrar a pesquisa da Dr. Maria do Carmo Brandão Rolim, que deu origem ao livro “Bares e Restaurantes de Curitiba: décadas de 1950 e 1960”, publicado pela editora curitibana Máquina de Escrever em 2019. O livro (interessantíssimo!) foi base para esse artigo e pode ser adquirido no site da editora, basta clicar no botão abaixo:


Heitor Amatuzzi, o fundador, era filho de um imigrante italiano da região da Calábria, na Itália. Seu pai veio com o irmão para a Argentina, mas depois migrou a Curitiba. Aqui casou com Itália Jeanjauli Amatuzzi. Heitor nasceu em março de 1899 e, aos 28 anos, abriu o “Café Mignon”, especializado na venda de pasteis.


Heitor Júnior contou melhor essa história em 1992, em entrevista não publicada mas que está disponível na Casa da Memória:


“Foi fundado na rua XV, na rua XV, no 80, onde permanecemos até o ano de 1945. Houve um incêndio no prédio no 80, destruindo o Foto Brasil e todas aquelas casas que Curitiba inteira conhecia. E ficamos ali por um ano sem teto e sem nada, trabalhando com uma lona por cima. Quando chovia, dava um metro de água... Agora, sobre o Bar Mignon: em 1945 passamos para o nº42, onde estamos até hoje.”


Desde 1927 o Café e depois Bar se chama “Mignon”. O nome foi escolhido pelo Heitor pai porque a primeira sede, que ficava mais próxima da esquina com a Al. Dr. Muricy, era minúscula. “'
Mignon', em francês, é pequeno. Começamos com bar e pastelaria Mignon, número 80, antes do incêndio. Essa palavra Mignon ficou gravada por ser pequeno”, explicou Heitor Júnior. Quem fazia os pasteis eram a mulher e a mãe de Heitor, que os vendia durante o dia no contraturno de seu trabalho, no Cassino Ahú.


Após o incêndio da primeira sede, os Amatuzzi se mudaram para a atual sede, ao lado do Bar Triângulo, que por ali já estava há pelo menos dez anos. Certamente o vizinho influenciou na troca do nome de Café para Bar Mignon. Rudi Blum, proprietário do Triângulo, foi sócio de Heitor Amatuzzi. 

Pratos tradicionais


Na nova sede, começaram a ser servidos os pratos que tornaram o Mignon famoso. O carro-chefe sempre foi o
pão de pernil de porco com cebolinha verde, receita inventada pela família na Itália e que veio de navio a Curitiba: “O Bar Mignon, modéstia à parte, é o único que ainda conserva, na íntegra, o pernil com verde. Foi inventado por meu avô, na Calábria (Itália). Lá, exportavam o pernil e colocavam cebolinha verde, ideia do meu avô que passou para meu pai”, contou Heitor Júnior. O sanduíche foi uma adaptação do pão com pernil de cordeiro temperado, tradicional da Calábria. 


Além do pernil com verde, o Mignon também servia o tradicional
cachorro-quente, tal qual o seu vizinho Triângulo, mas com algumas diferenças que Heitor Junior não deixava de ressaltar: “O cachorro-quente, por exemplo, todo mundo sabe que é a lingüicinha defumada, depois, com o tempo veio a salsicha que os curitibanos chamam de ‘vina’. Agora, continuamos ainda com a linguicinha defumada, a única existente no Brasil, porque o frigorífico nos fornece há mais de 60 anos e só faz para nós”.


Outro prato característico é o
Marchand, que só existe no Mignon. Trata-se de uma mistura do pão de pernil com verde e vina, e teria surgido quando Rubens Marchand, então vice-presidente do Coritiba Futebol Clube, ficou na dúvida entre um sanduíche e outro, e acabou misturando os dois. Essa história quem contou e popularizou foi o escritor Manoel Carlos Karam. O assim chamado Marchand ainda é servido no Mignon. 


Geralmente, esses sanduíches eram (e são) feitos com pão d'água ou francês, mas havia também pão de cachorro-quente. Já a linguiça defumada foi sendo, aos poucos, suplantada pela vina tradicional.


Aos mais famintos, também é servido o
filé de alcatra com arroz, tomate, cebola, salada de maionese e linguiça calabresa no palitinho. A maionese é tratada com louvor, já que a receita é passada de geração em geração de cozinheiras.     

De geração em geração


Sempre regado a muita cerveja e chopp, o Bar Mignon, dos anos 40 aos anos 70, funcionou de sol a sol (incluindo Natal e Ano Novo), sendo uma das únicas opções além do Bar Triângulo e do
Bar Palácio a se manter aberto na madrugada. Relembra Heitor Júnior:


 “Trabalhávamos 24 horas por dia. Chegamos a ter 40 a 50 funcionários, eram 3 turnos...Antigamente, em Curitiba não havia nada. Havia o Cachorro-Quente, o Bar Mignon, o meu vizinho ali, o Triângulo, e o divertimento de todo o Curitibano que não passou no Bar Mignon ou no Bar Triângulo não pode ser considerado curitibano. Isso na década de 40 a 60, mais ou menos.”


Nessa época, dois dos quatro filhos de Heitor com sua esposa, Itália, já trabalhavam no Mignon:
Heitor Júnior e Benedito. Ambos ajudaram a construir os anos áureos do Bar, que ficava repleto de estudantes, jornalistas, esportistas e políticos. Para ajudar, o outro irmão Amatuzzi, Albenir, era jornalista esportivo e sempre estava por ali com seus amigos, como era o caso de Rubens Marchand. Os frequentadores eram majoritariamente homens (o motivo, nós sabemos!). 


Conta Heitor Júnior sobre os políticos no Mignon:


“O Bar Mignon tem histórias incríveis para contar. Por exemplo: na história do bar Mignon, não teve um governador que não foi seu freguês, desde o interventor Manoel Ribas, freguês de cachorro quente, de pernil com verde. Depois veio Ney Braga, o Wallace, pai do governador Requião, também era freguês, o Bento Munhoz da Rocha, já estudante, era freguês, o Álvaro Dias esteve no bar como senador e candidato a governador. Aí falei: ‘pra ser governador, primeiro tem que ser freguês do Bar Mignon’. Ele deu risada e disse: ‘bom, por causa disso, vou começar a frequentar’ e, por coincidência, foi governador. O governador Roberto Requião é freguês do Bar Mignon do tempo que o pai dele, Dr. Wallace, o levava, aos domingos, punha em cima do balcão e ia tomar um aperitivo.”


 

Jaime Lerner também frequentava o bar desde quando era estudante. Entre as presenças não paranaenses, estiveram Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek na década de 90, e Luiz Inácio Lula da Silva.


Paulo Leminski também foi frequentador assíduo:


 “Leminski foi meu freguês vários e vários anos. Até como freguês não era muito bom, porque entrava numa mesa, sentava e ficava 10 a 12 horas, tomando chopinho com uma caipirinha, escrevendo, escrevendo. Era um homem sensacional, onde achava um pouco de paz e sossego era a mesa de um bar” - rememora carinhosamente Heitor.

Fechamento da Rua XV e dias atuais


Dos anos 70 em diante, o Bar Mignon passou a fechar mais cedo, por volta da meia-noite, e abrir no horário do almoço. Um dos motivos era a segurança, e o outro era por conta da rotina puxada do bar. Tanto Heitor quanto Benedito trabalhavam desde criança, todos os dias do ano, praticamente. O que animava era a clientela, 90% dela era fiel, bem como a energia da nova geração dos Amatuzzi, que passou a liderar o Mignon. Mesmo assim, os mais velhos não abdicaram: na casa de seus 90 anos, o fundador Amatuzzi continuava a dar os seus pitacos. 


Com o fechamento da Rua XV para os carros, os hábitos mudaram: as mesas foram transferidas para a calçada sob toldos roxos e o público, composto por cada vez mais turistas, passou a comer e a beber ali, ao invés de ficarem em seus carros e nos balcões do bar — como era feito antes do fechamento. Mas as receitas continuaram as mesmas.


A primeira reforma no Mignon ocorreu em 1995, quando o bar ficou fechado por quatro meses: ele ganhou mais mesas, colocadas sobre um novo mezanino, e uma uma chopeira de porcelana importada da Itália. 


Desde então, o Mignon é administrado por Paulo Cordeiro, genro de Heitor, que casou com Silvia Amatuzzi. Silvia é a segunda filha de Heitor com Lucia Amatuzzi, com quem também teve os filhos Luciano, Márcia Helena e Giovana. Com o genro no balcão, Heitor e Luciano puderam se dedicar ao principal hobby da família: o turfe. Eles, inclusive, compraram um haras, chamado Haras Mignon, e ganharam vários campeonatos regionais e nacionais. Heitor Jr. faleceu aos 81 anos, em 01 de Novembro de 2014.


Hoje, o Bar Mignon está sob a 4ª geração da família Amatuzzi, que mantém a tradição de um dos bares mais antigos e charmosos de Curitiba. Para desfrutar dessa história, nada melhor do que ir até o Mignon e saborear um chopp gelado e um pernil com verde.

Texto e pesquisa de Gustavo Pitz


Fonte de pesquisa:  


ROLIM, Maria do Carmo Marcondes Brandão. “Bares e Restaurantes de Curitiba: décadas de 1950 e 1960”. Curitiba: Editora Máquina de Escrever, 2019.

https://editoramaquinadeescrever.com.br/produto/bares-e-restaurantes-de-curitiba-decadas-de-1950-e-1960/


ENTREVISTA com o proprietário do Bar Mignon - 1992. Curitiba?: [datilografado], 1992.


Centro de Documentação da Casa da Memória.


https://tutanogastronomia.com.br/bar-mignon-por-andre-bezerra/


http://www.bebelritzmann.com.br/2015-05-12-20-28-27/no-balcao-sem-frescura/item/bar-mignon-marchand-e-o-coritiba-foot-ball-club


https://www.jockeypr.com.br/heitor-amatuzzi-junior-sera-homenageado-nesta-quinta/

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