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Praça Tiradentes: o retrato da história de Curitiba
Em Curitiba, há espaços cuja história nos ajuda a compreender a sua trajetória tricentenária. Ao mesmo tempo em que deram forma à cidade, estes locais se transformaram de acordo com o desenvolvimento da capital. Talvez o mais famoso deles seja o Centro Histórico, onde fica o conhecido Largo da Ordem; porém, há outros, até mais antigos, que também são símbolos históricos, como é o caso da Praça Tiradentes.  

E aí, leit@r Turistória, você conhece o passado da praça? Quer aprender um pouquinho mais
   Então hoje é seu dia de sorte!! 
Contaremos sobre a origem e as transformações históricas da Praça Tiradentes, o coração de Curitiba.
A origem
Quando dissemos que a Praça Tiradentes é o coração de Curitiba, não foi exagero. Foi ali que Curitiba começou a ser povoada por mineradores vicentinos por volta de 1650 e 1660. Antes disso, porém, a região já era conhecida: o território era habitado por povos indígenas do tronco linguístico Jê, tribos Xetá, Tupi, Guarani e Tingui; além disso, também era passagem de espanhóis e portugueses que, desde 1500, adentravam nos sertões em busca de metais preciosos. 

Por que a praça foi criada?

Desde 1640, a região atual da cidade de Curitiba era conhecida como Campos de Queretyba ou Arraial de Queretyba. Para lá iam garimpeiros que se estabeleciam nas margens do riacho Atuba (onde atualmente é o Bairro Alto). Eles vinham, sobretudo, da recém fundada Vila de Paranaguá e de São Paulo, e eram incentivados e mantidos pelo administrador das minas do sul, Eleodoro Ébano Pereira. Aos poucos, familiares desses faiscadores de ouro também vieram aos Campos, e então ali se formou a Vilinha ou Arraial do Atuba. 

Não se sabe ao certo a causa, mas acredita-se que, devido à umidade dessa região, os moradores tiveram que se deslocar do Atuba. Para onde foram? Eles escolheram morar num lugar elevado, seco e que tivesse proximidade com riachos, o Rio Ivo e Rio Belém. De que local se tratava? Da atual Praça Tiradentes.

Muito provavelmente, essa mudança ocorreu entre 1650 e 1659. De acordo com mapas de época, em 1654 já havia uma capela de pau a pique, que homenageava Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, ao redor da qual existia um espaço aberto de chão batido, chamado de Largo (a hoje nomeada Praça Tiradentes). Em volta dele, os habitantes começaram a construir pequenas casas, também de taipa, e aos poucos os Campos de Queretyba foram povoados. Já em 1659, o local era reconhecido como Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. 

Nove anos depois desse reconhecimento, em 1668, ao lado do Largo foi construído um pelourinho (na atual Praça Borges de Macedo) e, em 1721, ali também foi erguido o primeiro prédio da Câmara Municipal. Assim, os moradores da Vila já tinham o local para rezar, para fazer justiça e para administrar, além, é claro, do espaço para socializar: a praça.

Essa praça, que era quadrada e ampla, servia para manter todas as casas de frente para a capela, de maneira a deixá-las próximas umas das outras. Isso facilitava a organização e a proteção do povoamento, como também promovia relações de sociabilidade entre os moradores e as trocas comerciais. Ela era mais movimentada aos sábados e domingos, quando os fiéis iam à missa e promoviam feiras.

Por conta da importância desse espaço, o historiador paranaense Ruy Christovam Wachowicz afirmou:

“A atual praça Tiradentes foi o centro do qual irradiou-se a nova povoação”


A Praça entre os anos de 1700 e 1880

Durante o século XVIII, nos anos de 1700, é preciso dizer que a praça mudou muito pouco em relação a sua origem. Nessa época, a população de Curitiba cresceu de maneira lenta, não chegando a 10.000 habitantes. Por isso, segundo estatísticas mais atuais, no início dos anos de 1800 havia na cidade somente 220 casas, dispostas ao redor da Igreja da Matriz e no Largo da Ordem. Como as mudanças históricas ocorriam vagarosamente, o Largo, já conhecido como Largo da Matriz, pôde manter suas características originais.

Sobre sua passagem por Curitiba em 1810, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire escreveu:

“As ruas são largas e bem traçadas; umas foram inteiramente traçadas, e outras, apenas de fronte das casas. A praça pública é quadrada e espaçosa e coberta de grama.”

Não existem imagens da Praça nessa época. Porém, em 1827 Debret pintou o Largo em frente a Igreja Nossa Senhora de Sant'ana, em Castro. Como a forma desses locais seguia a um padrão naquela época, muito provavelmente a Praça Tiradentes era semelhante a ela:
A única diferença em relação a de Castro é que, no Largo de Curitiba, a Igreja não ficava no centro dele. Na verdade, a Igreja estava, desde sua construção, na lateral direita da praça, tendo somente um pequeno espaço aberto em sua frente. De acordo com pesquisas cartográficas, a posição certa da praça, pelo menos até 1880, seria essa: 
A função da praça, continuou a mesma?

Basicamente sim, porém, com o tempo, ficou mais movimentada. Ela era passagem obrigatória para quem ia à missa ou para quem precisava trocar ou comprar algo. Era, também, local de conversa, de reuniões públicas, de fofocas ou, simplesmente, de passagem de viajantes. 

Época de transformações: a Praça Tiradentes entre 1880 e 1934

Em 1880, Dom Pedro II visitou algumas cidades do recém emancipado Paraná. Em Curitiba, o Imperador conheceu a Cadeia Municipal, o Museu Paranaense e a Chácara Capanema, onde hoje está o Jardim Botânico. Ele também inaugurou o edifício da Santa Casa de Misericórdia, no centro da cidade. Por conta da quantidade de eventos, Dom Pedro teve de residir na capital por um tempo. Onde ele ficou? Numa das casas mais luxuosas da região, a do Comendador Antônio Martins Franco, que ficava na esquina da Praça Tiradentes com a Monsenhor Celso (onde, atualmente, funciona uma loja de departamentos).

Martins Franco não era o único ricaço que morava ali. No decorrer do século XIX, a elite política e comercial de Curitiba residia em torno da Praça Tiradentes, como as famílias de Emilio Romani, Ângelo Vercezi (grandes importadores), Miguel Raad, Feres Merhy e Miguel Caluf (notáveis comerciantes). 



Além disso, desde 1866, o boticário alemão Augusto Stellfeld morava no Largo da Matriz, num prédio em cuja frente foi feito um relógio de sol (existente até hoje)....

...No local ele inaugurou a primeira farmácia de Curitiba, a Farmácia Stellfeld. Junto com ele vieram outros tantos imigrantes, principalmente alemães, que ajudaram no crescimento comercial da região.



Por conta desses fatores — a emancipação política do Paraná, o crescimento da economia e a possível vinda do Imperador (pela primeira e única vez) —, Curitiba foi aos poucos se transformando. Ruas foram criadas, casarões foram construídos, o cemitério municipal foi inaugurado e, é claro, a Matriz e sua praça também passaram por reformas.

Em meio a isso, as características do Largo da Matriz se alteraram: aos poucos, principalmente a partir de 1880, ele recebeu mudas de árvores, arbustos, canteiro de flores ao centro e algumas trilhas de pedra. Inclusive, até seu nome mudou: depois da vinda do Imperador, o local passou a se chamar Largo Dom Pedro II.

Com a Proclamação da República, muita coisa mudou!

Novos tempos transformam a história do local. É por isso que, logo depois da Proclamação em 1889, o Largo Dom Pedro II passou a se chamar Praça Tiradentes. Os republicanos estabeleceram pelo Brasil monumentos, nomes de ruas, museus, livros, etc., que contavam a história através de uma perspectiva própria, claro, e não dos monarquistas. Por isso, o antigo Largo passou a ter o nome de um herói para os republicanos, o Tiradentes. Também foi por conta disso que, em 1904, foi colocada uma estátua, no centro da Praça, do presidente Marechal Floriano Peixoto.   

Para os republicanos, o século XX seria o tempo do progresso! Tendo isso em vista, estações de bonde foram construídas, as ruas ao redor da Praça foram alargadas para a passagem de carros (que no início de 1920 ainda eram poucos) e pavimentadas com paralelepípedos. Os antigos casarões de barões e comendadores foram transformados em espaços comerciais. 

Dessa época, nos restam algumas imagens:

A grande reforma de 1934

Curitiba cresceu. Entre 1900 e 1940, a cidade passou de 50.000 para 142.000 habitantes. Com isso, o comércio se expandiu e as fábricas brotaram aos montes. Em 1917, foi registrada a maior greve de trabalhadores da capital, quando milhares de operários e operárias foram às ruas reivindicar direitos e melhores condições de trabalho. O seu local de encontro, é claro, era a Praça Tiradentes. 

Diante dessa efervescência social, as famílias abastadas que ali residiam se deslocaram para regiões mais afastadas do centro, como os bairros do Batel e do Alto da Glória. Isso deixou um vazio ao redor da praça, que logo foi preenchido com mais comércios, bancos, associações, empresas, e até com uma organização de inspiração fascista, como foi o caso da Ação Integralista Brasileira do Paraná, na década de 30. 

Assim, a prefeitura de Curitiba coordenou uma série de reformas a partir de 1934, que remodelaram totalmente a Praça Tiradentes. Com isso: uma rua dividiu a praça em duas partes, sendo o lado da frente da igreja destinado ao estacionamento de carros e, a partir dos anos 50, aos pontos de ônibus; as ruas foram reformadas; a vegetação foi replantada; os monumentos foram realocados; o jardim foi redesenhado e estendido pro lado esquerdo, seguindo um padrão modernista; e uma estação de bondes foi construída na frente da farmácia Stellfeld. Para completar essa revitalização, em 1940 foi construído um imenso monumento em homenagem à República, que visava consagrar a praça como símbolo político para os governos locais e federais. 

Mas as mudanças não pararam por aí! Em 1957, foi construído um monumento em homenagem a Getúlio Vargas, que fica pertinho ao de Floriano Peixoto. Com o tempo, também, as ruas foram asfaltadas, as árvores foram crescendo (incluindo alguns pinheiros gigantescos) e a Praça foi se tornando cada vez mais movimentada (sendo até palco de uma revolta, a “Guerra do Pente”). 

Em 1994, com a implementação definitiva do sistema de transporte coletivo, a Praça Tiradentes foi novamente revitalizada. Na frente da Igreja, que antes era um espaço de livre circulação de pessoas, agora passava uma via rápida, pela qual carros e ônibus transitavam incansavelmente. Com isso, a Tiradentes perdeu algumas das características que mantinham preservada a sua memória.

Praça Tiradentes restaurada?



Tudo mudou quando, em 2008, foram encontrados vestígios históricos da Tiradentes: tratava-se de restos do seu calçamento do século XIX!!! Por conta disso, a prefeitura de Curitiba realizou uma série de reformas no local, para viabilizar a preservação e o estudo desses vestígios. Hoje, eles podem ser vistos através de uma estrutura de vidro, que fica no centro da praça.



Além disso, boa parte das características desse entorno foram retomadas, aos moldes da reforma de 1934. Assim, a frente da Catedral voltou a ser um espaço para pedestres e os monumentos históricos foram restaurados, fazendo com que a Praça Tiradentes recuperasse parte da sua memória.



Hoje, quem passa pelo local até pode ver coisas a mais. Há, bem em frente à Catedral, uma estátua do cacique Tindiquera apontando para a Praça, inaugurada em 2018, de autoria do escultor Elvo Benito Damo (catarinense de Caçador, mas curitibano de coração há quase 50 anos). O indígena é uma das lendas da fundação da cidade e representa aqueles que sempre foram os verdadeiros donos destas terras. Um pouco para a frente, há também o único elemento que revela o peso histórico da Praça: o Marco Zero de Curitiba. Sim, foi ali mesmo que a capital começou a ser povoada pelos vicentinos, através da construção da antiga capela de pau-a-pique. 



Esses monumentos, porém, jamais irão restaurar o passado da Praça por completo. Estudos recentes afirmam que a Tiradentes é o local histórico de Curitiba que mais passou por mudanças em sua forma. Isso, ao mesmo tempo em que demonstra as transformações do local de acordo com o desenvolvimento da capital, também revela que estivemos muito pouco preocupados com a nossa memória, com aquilo que marca o início da cidade. Se a Praça Tiradentes “foi o centro do qual irradiou-se a nova povoação”, ela é, também, o retrato do que fazemos com a nossa história.               

Texto e pesquisa: Gustavo Pitz


Referências para o texto:


Auguste de Saint-Hilaire. Viagem a Comarca de Curitiba. 1820


Alessandro Rosaneli et al. Apropriação do espaço livre público na metrópole contemporânea: o caso da Praça Tiradentes em Curitiba/PR. 2016



Ruy Christovam Wachowicz. História do Paraná. 1987.

Rafael Greca de Macedo. Curitiba, Luz dos Pinhais. 2016


https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/escultura-de-tiradentes-e-recolocada-em-praca-apos-restauracao/32663

http://www.fotografandocuritiba.com.br/

https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/meio-ambiente-repoe-exaustores-da-calcada-de-vidro-da-praca-tiradentes/47801

https://www.catedralcuritiba.com/historico

Demais fotos: retiradas da página Antigamente em Curitiba –

https://www.facebook.com/groups/417557358409468Parágrafo Novo

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