Época de transformações: a Praça Tiradentes entre 1880 e 1934
Martins Franco não era o único ricaço que morava ali. No decorrer do século XIX, a elite política e comercial de Curitiba residia em torno da Praça Tiradentes, como as famílias de Emilio Romani, Ângelo Vercezi (grandes importadores), Miguel Raad, Feres Merhy e Miguel Caluf (notáveis comerciantes).
Além disso, desde 1866, o boticário alemão Augusto Stellfeld morava no Largo da Matriz, num prédio em cuja frente foi feito um relógio de sol (existente até hoje)....
...No local ele inaugurou a primeira farmácia de Curitiba, a Farmácia Stellfeld. Junto com ele vieram outros tantos imigrantes, principalmente alemães, que ajudaram no crescimento comercial da região.
Por conta desses fatores — a emancipação política do Paraná, o crescimento da economia e a possível vinda do Imperador (pela primeira e única vez) —, Curitiba foi aos poucos se transformando. Ruas foram criadas, casarões foram construídos, o cemitério municipal foi inaugurado e, é claro, a Matriz e sua praça também passaram por reformas.
Em meio a isso, as características do Largo da Matriz se alteraram: aos poucos, principalmente a partir de 1880, ele recebeu mudas de árvores, arbustos, canteiro de flores ao centro e algumas trilhas de pedra. Inclusive, até seu nome mudou: depois da vinda do Imperador, o local passou a se chamar Largo Dom Pedro II.
Com a Proclamação da República, muita coisa mudou!
Novos tempos transformam a história do local. É por isso que, logo depois da Proclamação em 1889, o Largo Dom Pedro II passou a se chamar Praça Tiradentes. Os republicanos estabeleceram pelo Brasil monumentos, nomes de ruas, museus, livros, etc., que contavam a história através de uma perspectiva própria, claro, e não dos monarquistas. Por isso, o antigo Largo passou a ter o nome de um herói para os republicanos, o Tiradentes. Também foi por conta disso que, em 1904, foi colocada uma estátua, no centro da Praça, do presidente Marechal Floriano Peixoto.
A grande reforma de 1934
Diante dessa efervescência social, as famílias abastadas que ali residiam se deslocaram para regiões mais afastadas do centro, como os bairros do Batel e do Alto da Glória. Isso deixou um vazio ao redor da praça, que logo foi preenchido com mais comércios, bancos, associações, empresas, e até com uma organização de inspiração fascista, como foi o caso da Ação Integralista Brasileira do Paraná, na década de 30.
Assim, a prefeitura de Curitiba coordenou uma série de reformas a partir de 1934, que remodelaram totalmente a Praça Tiradentes. Com isso: uma rua dividiu a praça em duas partes, sendo o lado da frente da igreja destinado ao estacionamento de carros e, a partir dos anos 50, aos pontos de ônibus; as ruas foram reformadas; a vegetação foi replantada; os monumentos foram realocados; o jardim foi redesenhado e estendido pro lado esquerdo, seguindo um padrão modernista; e uma estação de bondes foi construída na frente da farmácia Stellfeld. Para completar essa revitalização, em 1940 foi construído um imenso monumento em homenagem à República, que visava consagrar a praça como símbolo político para os governos locais e federais.
Praça Tiradentes restaurada?
Tudo mudou quando, em 2008, foram encontrados vestígios históricos da Tiradentes: tratava-se de restos do seu calçamento do século XIX!!! Por conta disso, a prefeitura de Curitiba realizou uma série de reformas no local, para viabilizar a preservação e o estudo desses vestígios. Hoje, eles podem ser vistos através de uma estrutura de vidro, que fica no centro da praça.
Além disso, boa parte das características desse entorno foram retomadas, aos moldes da reforma de 1934. Assim, a frente da Catedral voltou a ser um espaço para pedestres e os monumentos históricos foram restaurados, fazendo com que a Praça Tiradentes recuperasse parte da sua memória.
Hoje, quem passa pelo local até pode ver coisas a mais. Há, bem em frente à Catedral, uma estátua do cacique Tindiquera apontando para a Praça, inaugurada em 2018, de autoria do escultor Elvo Benito Damo (catarinense de Caçador, mas curitibano de coração há quase 50 anos). O indígena é uma das lendas da fundação da cidade e representa aqueles que sempre foram os verdadeiros donos destas terras. Um pouco para a frente, há também o único elemento que revela o peso histórico da Praça: o Marco Zero de Curitiba. Sim, foi ali mesmo que a capital começou a ser povoada pelos vicentinos, através da construção da antiga capela de pau-a-pique.
Esses monumentos, porém, jamais irão restaurar o passado da Praça por completo. Estudos recentes afirmam que a Tiradentes é o local histórico de Curitiba que mais passou por mudanças em sua forma. Isso, ao mesmo tempo em que demonstra as transformações do local de acordo com o desenvolvimento da capital, também revela que estivemos muito pouco preocupados com a nossa memória, com aquilo que marca o início da cidade. Se a Praça Tiradentes “foi o centro do qual irradiou-se a nova povoação”, ela é, também, o retrato do que fazemos com a nossa história.
Texto e pesquisa: Gustavo Pitz
Referências para o texto:
Auguste de Saint-Hilaire. Viagem a Comarca de Curitiba. 1820
Alessandro Rosaneli et al. Apropriação do espaço livre público na metrópole contemporânea: o caso da Praça Tiradentes em Curitiba/PR. 2016
Ruy Christovam Wachowicz. História do Paraná. 1987.
Rafael Greca de Macedo. Curitiba, Luz dos Pinhais. 2016
http://www.fotografandocuritiba.com.br/
https://www.catedralcuritiba.com/historico
Demais fotos: retiradas da página Antigamente em Curitiba –
https://www.facebook.com/groups/417557358409468Parágrafo Novo