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Paço da Liberdade: o único do Paraná tombado pelo IPHAN

Andar pela Praça Generoso Marques, em Curitiba, é estar diante de construções centenárias que ali floresceram no final do século XIX e até hoje são preservadas. De 1870 em diante, ao redor da praça foram edificados os mais modernos casarios e palacetes, que pertenciam a grandes proprietários de Curitiba. Eles seguiam os padrões da arquitetura neoclássica e, principalmente, da Art Noveau francesa, que foi incorporada pelos arquitetos brasileiros e aplicada nos desenhos das propriedades públicas e das privadas pertencentes à elite. 


O estilo da Art Noveau é bem conhecido. Sua arquitetura é de alvenaria, com traços curvos nas estruturas que combinam ferro, vidro e muito concreto. As janelas são grandes; o telhado é ondular; as colunas são proeminentes e o espaço interno é reconhecido não só pela luxuosidade, mas pelos amplos e bem aproveitados ambientes. 


Foi esta escola artística, por exemplo, que moldou boa parte do projeto do Paço Municipal de Porto Alegre e outros grandiosos edifícios oficiais, principalmente no início da Primeira República. O motivo da escolha de tal tendência é que nela estavam presentes os ideais de civilização, progresso, industrialização e crescimento, base que fundamentou o regime republicano em seus primeiros anos e representou, principalmente, o modernismo.


1914: a construção do Paço Municipal de Curitiba

Um outro exemplo de Art Noveau no Brasil foi o edifício que abrigou a prefeitura de Curitiba a partir de 1916: o Paço Municipal. Até essa época, tanto o prefeito como a Câmara de vereadores eram itinerantes pois, apesar de ter algumas sedes, nunca se havia definido um espaço específico para as atividades executivas e legislativas da cidade. A mudança ocorreu após a eleição do governador Carlos Cavalcanti de Albuquerque, que, em 1912, decidiu pela construção definitiva de um Paço para a capital, obra iniciada somente em 1914 e inaugurada 2 anos depois.


Mas o que significa Paço?


Se hoje se utilizam as palavras "Prefeitura" e "Câmara Municipal" ou de Vereadores para fazer referência ao espaço político de um município, naquela época esses âmbitos eram agrupados em um mesmo local, cujo prédio era chamado de Paço Municipal ou simplesmente Paço. Pode-se dizer que Paço era sinônimo de prefeitura, isso pelo menos até a Revolução de 1930. 


Entretanto, vale dizer que a palavra Paço não simboliza qualquer prédio de prefeitura. Isso porque Paço vem do latim palatius e significa palácio. Isso evidencia, portanto, que para ser considerado como tal, um Paço deve representar uma construção luxuosa e destacada. É por isso que todos os Paços do Brasil, como o de Porto Alegre, o Imperial, o de Feira de Santana e o de Niterói, seguem esse mesmo estilo de grandiosidade arquitetônica. Com o Paço Municipal de Curitiba, é claro, isso não foi diferente. 


E o que havia antes da construção do Paço?


O Paço Municipal foi construído exatamente no mesmo local do antigo Mercado Municipal de Curitiba, que ali permaneceu de 1874 até 1912, quando foi transferido para um barracão de madeira na Praça 19 de Dezembro (então chamada de largo da Nogueira). Da arquitetura original, somente foi mantida a fachada do Mercado, que serviu de tapume até a finalização da obra do Paço, sendo demolida logo na sequência. A foto abaixo nos mostra como era o Mercado Municipal:



Na época, a construção do Mercado foi fundamental para o crescimento de Curitiba. Foi ele que permitiu a essa área, então um descampado considero como um fundo de cadeia (pois logo atrás ficava a Cadeia Pública), atrair comércios e moradores, fato que explica os casarios e palacetes ali existentes desde a década de 1870.


Depois da inauguração desse que foi o maior espaço comercial na época, em sua frente foi mantido um espaço aberto, que servia ao trânsito e sociabilização. Para ele, deu-se o nome de “Praça do Mercado”. Com o tempo, essa região assumiu destaque no cenário curitibano, aspecto que influenciou na mudança do nome para “Praça Municipal”.

O projeto e inauguração do Paço

Os jornais de época, como o Diário da Tarde, atribuem o projeto arquitetônico do Paço ao então prefeito de Curitiba Cândido de Abreu, escolhido pelo governador Carlos Cavalcanti. Porém, os pesquisadores tendem a concordar que dificilmente ele fez tudo sozinho.


Para a arquiteta Suzelle Rizzi, por exemplo, a obra teve como engenheiro-chefe Adriano Goulin e provavelmente foi construída por Angelo Bottecchia e André Pitrelli. Discute-se, ainda, uma possível influência do arquiteto Roberto Lacombe, bem como de João Guelfi e João Ortolani na confecção das pinturas e ornamentações internas. Seja como for, fato é que o conjunto todo foi assinado por Cândido de Abreu.


Além dessas incertezas quanto à autoria do projeto, a realização dele em si foi muito discutida. Isso porque uma lei de 1912 instituía o terreno na esquina da Rua João Negrão com a Rua Senador Laurindo, ao lado da Praça Santos Andrade, como o local para a futura Prefeitura Municipal. Cândido de Abreu, contudo, ignorou-a e escolheu o centro da Praça Municipal, tendo em vista que a região era mais desenvolvida e reconhecida. Muitos dos jornais da época, então, mostraram-se totalmente contra a construção naquele espaço, pois isso representaria a demolição do Mercado Municipal, ação que logo em seguida se consumou.



Nomeação da Praça e do Paço da Liberdade

Conforme você, leitor do Turistória, pôde notar, a Praça em que estavam tanto o Mercado Municipal quanto a Paço Municipal ainda não era chamada de Praça Generoso Marques à época. Na verdade, o local só foi receber esse nome em 1928, quando o senador paranaense Generoso Marques faleceu. Antes disso, o espaço era chamado de Praça Municipal (entre 1890 e 1928), Praça do Mercado (1874-1890) e Largo da Cadeia (pelo menos desde o início do século XIX). A escolha desse nome, portanto, foi uma homenagem ao político local, que também havia sido governador e um dos principais jornalistas do estado.


Além dessa mudança, outra significativa ocorreu em 1948. Até então, o Paço era reconhecido como Paço Municipal, justamente por ser a prefeitura. Nessa data, porém, o vereador Roberto Barrozo apresentou um projeto à Câmara que culminou na mudança do nome para Paço da Liberdade, que até hoje é mantido como o oficial.


Uma história que continua

O ano de 1969 foi o último ano do então Paço da Liberdade como sede da prefeitura de Curitiba. Então, mesmo que tenha servido, em 1970, a políticas educacionais do governo federal, o prédio permaneceu abandonado até 1974, quando foi reformado e escolhido para sediar o Museu Paranaense. Dez anos depois, ele se tornou o primeiro e único edifício história do Paraná a ser tombado em nível nacional, estadual e, daí em diante, nacional, por meio do reconhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).


Depois de mais um pequeno restauro em 1994, o Paço da Liberdade deixou de ser sede do Museu Paranaense em 2002, quando este se transferiu para o Palácio São Francisco. Novamente, o prédio ficou abandonado por 4 anos, até ser totalmente reformado entre 2006 e 2009, em parceria com a Federação do Comércio do Paraná (Fecomércio/SESC) e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). No meio do restauro, inclusive, foram encontrados resquícios do antigo piso do Mercado Municipal de Curitiba, descoberta fundamental para a arqueologia e para a história do Paraná.

Desde então, o Paço da Liberdade se tornou um centro cultural público, que abriga bibliotecas, livraria, café cultural e musical, além de sala de cinema, de música e de exposições. Por isso, embora transformado no tempo e experimentado diferentes circunstâncias, o prédio centenário de Curitiba mantém viva a chama cultural e história que o preserva e nos faz recordar do desenvolvimento história da capital paranaense. Porque ali existiu de tudo um pouco: o efervescente mercado municipal, as tensões políticas, a preservação de memória e, nos dias atuais, o trânsito de pessoas que veem nele uma possibilidade de descobertas.


Texto e pesquisa: Gustavo Pitz

Referências


BENCOSTTA, Marcus Levy. Cândido de Abreu: projetos do primeiro urbanista da cidade de Curitiba do início do século XX. Revista Brasileira de História [online], São Paulo, ahead of print, v. 36, n. 73, nov. 2016. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S0102-01882016005013101&lng=pt&nrm=iso>


PADILHA, Douglas Ochiai. Controvérsias na construção do Mercado de orgânicos em Curitiba. Tese de doutorado. Departamento de Sociologia. 2017.

https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/46043/R%20-%20T%20-%20DOUGLAS%20OCHIAI%20PADILHA.pdf?sequence=1&isAllowed=y


RIZZI, Suzelle. Cândido de Abreu e a Arquitetura de Curitiba entre 1897 e 1916. 2003. 186 p. Dissertação (Mestrado em Teoria, História e Crítica da Arquitetura). Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba.


http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=800074&pagfis=73961


https://www.gazetadopovo.com.br/haus/estilo-cultura/na-casa-edith-o-passado-dita-a-moda/


https://www.gazetadopovo.com.br/haus/estilo-cultura/praca-generoso-marques-historia-curitiba-arquitetura-point-cultural-descolado/


http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=198


http://www.fotografandocuritiba.com.br/2017/01/paco-da-liberdade.html


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