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Greve de 1917: como foi a primeira Greve Geral do Brasil em Curitiba?


Esta semana, de 19 a 27 de julho, marca a data de uma greve que já é mais que centenária: A Greve de 1917, a primeira Greve Geral do Brasil. Foi uma greve iniciada em São Paulo e que se estendeu por praticamente todo o Brasil. Ocorrida na Primeira República (1889 - 1930), ela foi um marco para a classe trabalhadora e para as lutas sociais, tendo sua memória preservada até hoje como uma das maiores greves do século XX no Brasil.


Contexto


Para entender como ela surgiu e se desenvolveu, é preciso analisar o contexto da época. A Primeira República foi um período de surgimento e desenvolvimento da indústria no Brasil e, por consequência, da classe operária e de movimentos sociais. Nessa mesma época houve uma grande leva de imigrantes - em maioria italianos - que veio ao Brasil em busca de melhores condições. Muitos deles acabavam tendo suas expectativas frustradas no campo, nas lavouras de café, e voltavam-se para os centros urbanos, que cresciam cada vez mais.


Esse movimento fazia com que muitas vezes o contingente de trabalhadores ficasse sobrecarregado. Assim, os industriais podiam pagar baixos salários e manter as condições de trabalho precárias, porque se o trabalhador reclamasse ou isoladamente tentasse mudar a situação, haveria outro que prontamente o substituiria.


Algumas das condições eram: fábricas em locais improvisados, sem ventilação, iluminação e higiene necessárias, sem proteção aos trabalhadores, e jornadas abusivas. Além disso, não havia uma legislação específica do trabalhador, que garantisse descanso semanal remunerado, férias, aposentadoria por velhice ou invalidez, licença em caso de doença ou acidente. E as condições eram precárias não apenas nas fábricas mas também nas próprias cidades, que cresciam muitas vezes sem planejamento e relegavam os trabalhadores aos bairros de pior localização e que não tinham assistência do governo. Além disso, havia fatores que afetavam não apenas os trabalhadores, mas sim toda a população, como a alta dos preços dos gêneros de consumo observada nessa época.

 

 

Surgimento de Movimentos de Organização Operária  

 

A partir disso, começaram a surgir movimentos que tinham como objetivo melhores condições de vida e de trabalho para os operários. Em Curitiba, algumas das organizações criadas com esse propósito foram a Sociedade Protetora dos Operários (1883), Fundação da Sociedade Recreativa e Beneficente de Operários Alemães (1884), Fundação Operária Paranaense e Liga dos Sapateiros (ambas de 1906). Além disso, em 1891 nascia o primeiro jornal operário da cidade, o “Operário Livre”, e na mesma época o Paraná havia presenciado a experiência da Colônia Cecília - uma colônia fundada com base nos princípios anarquistas na cidade de Palmeira.


Essa última é um dos exemplos que apontam para o fato de que a base para a formação dos movimentos sociais na Primeira República foi o anarquismo e, derivando deste, o anarco-sindicalismo.


Uma das formas de agir defendidas por essa corrente é a ação direta através de greves, como foi o caso em 1917. A força que o anarquismo teve nesse período é justificada pela presença de imigrantes italianos no operariado brasileiro, que traziam da Itália a ideologia anarquista - país onde estavam alguns dos maiores teóricos do anarquismo, como Errico Malatesta e Giovanni Baldelli.


Dadas essas condições no Brasil e no Paraná, em 1917 eclode a greve, iniciada em São Paulo, na fábrica têxtil Cotonifício Rodolfo Crespi, e que se alastrou pelo resto do país. Nos meses de Junho e Julho, jornais noticiavam a deflagração da greve em diversos estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco, Pará, Paraná, Mato Grosso e outros.


Em Curitiba, a decisão por aderir à greve foi tomada no dia 18 de julho de 1917, uma quarta-feira, em um comício às 20h na Praça Tiradentes. Inicialmente, a decisão foi tomada como uma demonstração de solidariedade à greve de São Paulo, mas depois do comício os operários se dirigiram para a Sociedade dos Boleeiros (Boleeiros eram os cocheiros, que conduziam veículos puxados por cavalos) e discutiram os rumos que a greve tomaria. Logo após, foram para a sede do Jornal do Commercio, levando uma lista com suas reivindicações para que fosse publicada na imprensa:

  

 (...) 2. jornada de 8 horas

 3. A abolição completa de multas

 4. Impedimento de crianças menores de 14 annos no trabalho

 5. Impedimento de moças de menos de 21 annos

 6. Os que ganharem por dia terão a tabela mínima de $5000

 7. Os por hora a 800

 8. Abolição dos trabalhos nocturnos, exceptuando-se os necessários, não trabalhando mais de 6 horas

 9. O patrão não pode dispensar os empregados sem prévio aviso de 18 dias, dando em cada dia uma hora de folga para procurar trabalho

 A responsabilidade dos patrões nos incidentes

 A extinção de caixas beneficentes obrigatórias como a do bonde e estrada de ferro

 A reducção dos impostos para os carroceiros

 As 8 horas são compreendidas das 7 às 11 tendo duas horas de descanço e depois da 1 hora as 5

 A reducção do preço dos gêneros alimentícios

 Exigir a baixa imediata da farinha de trigo e assucar

 Diminuição dos preços de aluguel de casa

 Exigir do governo fiscalização dos gêneros alimentícios

 Abolição dos trabalhos por peça

 Hygiene nas fabricas

 Reintegração dos grevistas nos seus primitivos logares, uma vez cessada a greve, sob pena do movimento paredista continuar.



Com essa lista, podemos observar que as exigências dos grevistas não eram apenas relativas a suas ocupações, mas afetavam também todos os moradores da capital paranaense. Entre elas a redução dos preços dos alimentos e dos alugueis. Um item que chama a atenção é a proibição do trabalho infantil - pessoas com menos de 14 anos de idade. Nas fotos da greve, podemos observar que crianças também estiveram presentes na paralisação, lutando por seu direito à infância.


Entre as lideranças grevistas em Curitiba estavam Octavio Prado e Adolpho Silveira - ligados à causa libertária - Bortolo Scarmagnan e José Hosti. Os primeiros trabalhadores a pararem foram os motoristas e cobradores da South Brazilian Railways, seguidos dos da Fábrica de Fósforos Pinheiros. Ao longo do dia 19, foi aumentando o número de grevistas, contando com trabalhadores de praticamente todas as fábricas da cidade. Na metade do dia, o número de pessoas que haviam aderido à greve já estava em aproximadamente 1336 pessoas.


Por conta da grande adesão dos motoristas e cobradores, houve pouco trânsito de veículos nos dias de greve. A cidade ficou paralisada, com a interrupção do fornecimento de energia elétrica e diversos produtos. Para combater a greve, os donos de fábricas, com apoio dos donos de jornais e através das forças policiais, contaram com a repressão. Em lugares como São Paulo, ela resultou em mortes. Uma delas, a do sapateiro espanhol José Martinez, de 21 anos, se tornou um símbolo para o movimento, e seu cortejo foi acompanhado por milhares de pessoas nas ruas. Sua morte inclusive foi um catalisador da greve, fazendo com que ela se espalhasse por diversas cidades do interior paulista  colocar no site link que dá acesso ao texto da Sociedade


Em Curitiba, prisões arbitrárias foram realizadas e notas foram soltadas na imprensa, buscando desqualificar o movimento e suas lideranças. Após dias sem que os trabalhadores fossem atendidos nem pelo governador e nem pelo prefeito para que houvesse uma negociação, a greve começou a perder força no dia 24, com os operários gradativamente voltando a seus postos de trabalho sem chegar a nenhum acordo com seus patrões.



Consequências


Nunca antes o Brasil havia presenciado um movimento de trabalhadores dessa magnitude e, até por isso, é natural que a Greve tenha provocado mudanças significativas na sociedade da época. O período de 1917 - 1919, que tem a Greve de 1917 como um de seus símbolos, foi um marco na relação entre o Estado e as demandas da classe trabalhadora. A partir daí, o Poder Público muda sua estratégia em dois níveis: por um lado, intensifica a repressão às organizações consideradas mais perigosas; por outro, concede “benefícios” aos trabalhadores por meio de uma embrionária legislação trabalhista.


A Greve Geral de 1917, assim, marcou a maior manifestação coletiva de trabalhadores que o Brasil já vira, tornando-se um marco na história do Brasil e na história da luta da classe trabalhadora.

 


Memória da Classe Operária e da Greve de 1917


Quanto às imagens da greve - tanto em Curitiba quanto em outros lugares, mas principalmente em Curitiba - devemos ressaltar que elas não são muitas e são de difícil acesso. Os motivos para isso são:


1) à época, em geral as pessoas que possuíam uma câmera fotográfica eram as de classes mais altas, de maior poder aquisitivo; ou seja, não estavam envolvidas com a greve, que tinha caráter popular e operário;

2) os jornais da época (possível fonte de pesquisa) publicavam poucas imagens em suas páginas e as escolhidas dificilmente eram as de movimentos populares como greves, uma vez que geralmente essas manifestações contrariavam os interesses dos donos de periódicos. Alguns dos jornais que traziam outro viés de análise e que publicaram imagens da Greve de 1917 foram os jornais fundados por trabalhadores. Um dos mais notórios desse período e do qual extraímos uma imagem do movimento foi o periódico anarquista A Plebe, fundado pelo jornalista anarquista Edgard Leuenroth, em São Paulo.


Um dos poucos registros fotográficos que há da greve em Curitiba foi tirado em frente à Sociedade Protetora dos Operários, cuja sede foi demolida há pouco tempo. Mais de cem anos depois da greve, a exemplo dos poucos registros existentes, a tradição de não preservar a memória dos movimentos operários e populares permanece na “Cidade da Luz dos Pinhais”. No primeiro semestre de 2021, a prefeitura demoliu o prédio da antiga Sociedade Protetora - cuja preservação já vinha sendo negligenciada há anos - para utilizar o terreno como estacionamento. Ela estava localizada em frente à Praça João Cândido, próximo ao Largo da Ordem e ao Museu Paranaense.


A demolição da Sociedade Protetora já foi abordada em maiores detalhes aqui no Turistória, em texto de maio de 2021, época em que o estacionamento foi inaugurado e a memória operária de um patrimônio público curitibano soterrada. (link do texto)

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