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Erva-mate no Paraná: a história do ciclo que dominou a economia do estado por mais de um século


Planta nativa da Região Sul da América, a erva-mate está presente há séculos na história do nosso continente e na história do Paraná. Durante esses muitos anos, ela foi ganhando novas formas de consumo, novas identidades e novos significados para os povos que a consumiram.


Seu uso mais antigo na América, segundo Romário Martins, foi dos quíchuas, povos aborígenes do Peru pertencentes à Civilização Maia. O termo “mate”, inclusive, deriva do vocábulo quíchua “mati”, que significa cuia, cabaça, porongo - compartimento em que se bebe o mate. Com o tempo, essa palavra foi ressignificada e hoje é utilizada para designar a própria bebida.


Os primeiros europeus a terem contato com a bebida foram espanhóis que chegaram ao território onde hoje é o Peru, e logo seu consumo se tornou um hábito também entre eles. Inicialmente houve resistência, e até acusações de que a erva era “do diabo” e que fazia mal à saúde. Essas investidas não surtiram efeito; ao contrário, serviram como propaganda positiva para a bebida e incentivou ainda mais o seu uso. Exemplo disso foram as missões jesuíticas (1610-1768) que no início tentaram proibir a bebida, mas depois foram responsáveis pelo aperfeiçoamento do cultivo da planta, pelo aumento de sua produção, do seu comércio e de sua exportação.


Já os portugueses conheceram o mate em suas incursões a Guairá (1628 - 1632), que tinham como objetivo a expulsão dos espanhóis. Com o aumento da procura do produto e com seus deslocamentos, descobriram que os índios Kaingang habitantes do planalto curitibano conheciam a erva-mate e a denominavam congoin. Com o tempo, essa expressão perdeu força, e o termo “mate” prevaleceu para se referir à bebida.


Ou seja, a erva-mate é extraída de uma planta nativa do território brasileiro e americano. Assim, nosso continente pôde ver a cultura de uma bebida originalmente americana se desenvolver e influir nos hábitos de espanhóis, portugueses, e imigrantes de diversas partes do mundo.


Foi Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), botânico e naturalista francês que viajou pelo Brasil entre 1816 a 1822 quem, depois de estudá-la, nomeou a erva-mate a de Ilex paraguariensis.


Diz ele sobre a extração da erva-mate:


“Para que fique bom, o mate deve ser colhido a partir de março até agosto (…). Os galhos da árvore são cortados e empilhados no local onde será feita a preparação. Em seguida, é armada uma fogueira estreita e comprida com troncos de árvores recém-cortados, (…) os homens se enfileiram de um lado e de outro deles e mantém acima do fogo os galhos da erva mate, segurando-os pela extremidade inferior e fazendo com que fiquem ligeiramente tostados. Terminada essa operação, são arrancados dos galhos os pequenos ramos guarnecidos de folhas, os quais são estendidos sobre o barbaquá, uma espécie de caramanchão armado da seguinte maneira: fincam-se no chão dois troncos de árvore, de uns vinte e cinco centímetros de diâmetro, a uma distância de mais ou menos dois metros um do outro; cada tronco tem uma forquilha situada a uma altura aproximada de dois metros e meio do solo. Sobre as duas forquilhas é apoiada uma vara flexível, que forma um arco denominado arco-mestre. Este arco é destinado a sustentar outros cinco, que se cruzam com ele e cujas extremidades chegam até o chão. Nesses últimos são trançadas varas transversais a partir de um metro acima do solo e a intervalos de poucos centímetros uma da outra. Resulta disso uma armação arredondada, semelhante a um forno, com cerca de seis passos de diâmetro, aberta dos lados onde ficam as duas forquilhas. Esta armação é inteiramente coberta pelos ramos da erva-mate, que são passados por entre as varas transversais, tendo-se o cuidado de não deixar nenhum intervalo entre os ramos. Em seguida, acende-se um fogo com lenha verde bem no centro da área recoberta pelo barbaquá. A fumaça se evola pelas aberturas laterais e pelas partes de armação próximas do solo, onde não foram trançadas as varas transversais. Ao cabo de uma hora e meia as folhas estão perfeitamente secas. Os ramos são então retirados do barbaquá e empilhados, em seguida batidos com pesados pedaços de pau (…). O mate está pronto quando as folhas ficam reduzidas a pó e os ramúsculos a pequenos fragmentos; ele é então colocado dentro de cilindros artisticamente feitos com taquaras de bambu e cobertos com folhas de samambaia totalmente secas.”

As tentativas de inserção do mate em mercados europeus, no entanto, não foram bem sucedidas. Nas décadas de 1870 e 1880, o mate paranaense foi apresentado em exposições na Áustria, França e Holanda. Um dos motivos para que na Europa o mate não prosperasse foi o que os habitantes europeus estavam acostumados com o chá e o café, e por isso o chimarrão não era agradável a seus paladares. Outras dificuldades também estão relacionadas com os acessórios e utensílios utilizados no consumo do mate, e também à técnica de prepará-lo.


Preparo e forma de beber


A principal forma com que a erva-mate se popularizou foi através do chimarrão. O chimarrão é tomado em uma cuia, em que se misturam água e erva-mate. Além desses, é necessário uma chaleira para aquecer a água e uma bomba - espécie de canudo que pode variar de tamanho de acordo com a cuia - e serve para sugar a água. Hoje em dia, é comum que a água da chaleira, logo após ser aquecida, seja depositada em uma garrafa térmica - mais prática e que permite que a água se mantenha quente por mais tempo.


Geralmente é consumida em grupo, em uma roda de familiares e/ou amigos. Quem faz o mate é sempre o primeiro a beber. Uma das tradições que contribuiu para consolidar esse hábito foi a de que, há alguns séculos, o mate serviu de instrumento para envenenamentos. Ao ser o primeiro a ingerir a bebida, a pessoa que fazia o chimarrão mostrava que não o envenenou e que ele estava em condições de ser ingerido. Cada integrante da roda, ao terminar de beber, deve sorver o mate até “fazer a cuia chiar”.


Essa não é a única forma possível de tomar a bebida. De acordo com a cultura de cada local, ela é consumida de diferentes maneiras. No Paraguai, por exemplo, a forma mais comum é o tererê, em que a água é tomada fria e pode ser adoçada. No Brasil, também, o tamanho médio da cuia é maior do que nos países vizinhos.


Erva-Mate no Paraná       


Para falar sobre a história da erva-mate no Paraná, iremos dividi-la em três ciclos, conforme o estudo de Temístocles Linhares em sua obra História Econômica do Mate.


O primeiro ciclo seria o que vai até 1820, em que o preparo da erva era feito de forma rudimentar e ainda não havia produção industrial, até porque a própria indústria brasileira era muito incipiente. É a partir do segundo ciclo, iniciado em 1820, que ela ganha importância econômica e se transforma em produto de exportação. Esse ano marca a chegada do argentino Francisco Algarazay em Paranaguá. Foi ele quem introduziu no estado as técnicas de fabricação, beneficiamento e acondicionamento da erva-mate. Com isso se iniciava, ainda que de forma rudimentar, um processamento industrial em terras paranaenses.


o terceiro ciclo se inicia entre 1875 e 1880 e tem como característica o deslocamento de engenhos para o planalto curitibano. Observa-se também a implantação de novas técnicas de importação, permitindo que o mercado da erva-mate ultrapasse os limites do Paraná e chegasse também a estados e países vizinhos. Essa fase é considerada o apogeu do ciclo ervateiro paranaense, em que a erva-mate tornou-se o produto central da economia do estado e um dos principais do Brasil.


Os primeiros engenhos do estado, movidos inicialmente a energia hidráulica, ficavam nos municípios de Antonina, Paranaguá, Morretes, Curitiba, Lapa, Palmeira, Ponta Grossa e União da Vitória. Os engenhos a vapor passaram a ser instalados aproximadamente em 1870 na capital do estado. Eles representavam uma evolução em relação aos antigos, e permitiram que a indústria paranaense do mate crescesse e se desenvolvesse.


A exportação de erva-mate foi a base da economia paranaense no século XIX. Isso fez com que boa parte da sociedade paranaense se moldasse em torno dela. O historiador Ruy Wachowicz (1983), em seu livro "A universidade do mate", aborda a criação de universidades em Amazonas e em São Paulo, relacionando-as com a economia predominante à época nesses estados - ciclo da borracha e indústria cafeeira, respectivamente. No Paraná, constata que a economia ervateira deu as condições necessárias para a criação da Universidade do Paraná, em 1912.


Outro exemplo de como o ciclo ervateiro ajudou a moldar os rumos da sociedade paranaense foi a elite econômica que surgiu nessa época, composta por proprietários de engenhos de erva-mate, também conhecidos como “barões do mate”.


Dada a importância que a erva-mate teve na história do Paraná, a bandeira atual do estado estampa um ramo de erva-mate.




Fábricas ervateiras


As primeiras empresas que produziam e comercializavam a erva-mate no Paraná surgiram ainda na primeira metade do século XIX. A mais antiga é de 1830, em Paranaguá, e pertencia ao aristocrata Manuel Antonio Guimarães, o Visconde de Nácar, que hoje é nome de rua em Curitiba. Quatro anos depois surgia a primeira fábrica de beneficiamento da erva no Brasil: o Engenho da Glória, fundada pelo Coronel Caetano José Munhoz. Posteriormente ela foi vendida a outro membro de uma família tradicional da elite: Francisco Fasce Fontana, sendo rebatizada como Fábricas Imperiais Fontana.


Aproximadamente um século depois, em 1927, nascia, da fusão entre a Fábrica Imperiais Fontana e a Fábricas Tibagi-Ildefonso, a Fábricas Fontana S.A. Isso mostra como a tradição ervateira se manteve durante mais de 100 anos na família Fontana, fazendo com que o nome da família se consolidasse na elite paranaense.


A Fábricas Tibagi-Ildefonso, uma das incorporadas na fusão, pertencia também a um importante nome da elite paranaense: Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul.


Outro exemplo de fábrica tradicional da indústria ervateira é a Leão Junior S.A., fundada em 1901, por Agostinho Ermelino de Leão Junior.


A marca ainda está ativa e hoje em dia é mais conhecida pelo Matte Leão, o chá mate tradicional. A bebida chá mate assumiu maior importância comercial no século XX, depois do chimarrão. A Leão Junior lançou em 1938 o chá feito com a folha queimada da erva-mate. A partir da divulgação do novo produto e também do encarecimento do chá importado em virtude da Segunda Guerra, o chá mate teve um aumento em seu consumo interno.


Foi nesse contexto também que a classe média urbana busca se consolidar. Para isso, faz uso de diversos hábitos de consumo, buscando referências na elite. O ato de beber chimarrão não era visto como uma prática desse ambiente. Pelo contrário, estava mais ligado, na visão desses grupos, à vida interiorana, mais simples. O chá era, para eles, a “forma civilizada da erva-mate, aquela que a apresenta às mesas mais exigentes e distintas”, segundo aspas de Romário Martins (1926).


Isso ajuda a explicar porque, hoje em dia, de modo geral, não vemos o chimarrão tão associado à cidade de Curitiba, mas sim a cidades do interior, principalmente da região Oeste e Sudoeste - onde há forte presença de imigrantes gaúchos. E também, claro, o chimarrão está ligado principalmente ao Estado do Rio Grande do Sul - estado que mais consome erva-mate no país.



Memória do ciclo ervateiro em Curitiba


Embora a marca Leão ainda esteja ativa, o seu histórico prédio não existe mais. Em 2009 uma fábrica da Matte Leão é inaugurada em Fazenda Rio Grande, o que implica a desativação da planta da primeira fábrica, fundada em 1901. Dois anos depois, a fábrica foi demolida para dar lugar a um templo da Igreja Universal do Reino de Deus. Ela estava localizada no Bairro Rebouças, ocupando a quadra entre as Ruas Av. Getúlio Vargas, Engenheiro Rebouças, Piquiri e João Negrão.


Sobre essa fábrica, a história da família Leão e de outras famílias do mate, escrevemos com maiores detalhes nos próximos dias.


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