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Curitiba antes da fundação: uma história indígena

Introdução

 

Por muito tempo, o Primeiro Planalto Paranaense foi chamado de Planalto de Curitiba. A região, formada pelo depósito de sedimentos rochosos há milhões de anos, compreende a planície logo acima da Serra do Mar até Ponta Grossa, e as campinas de Tijucas do Sul até Jaguariaíva, na divisa com São Paulo.

 

O local é conhecido por sua vegetação rasteira, pela exuberância da Mata de Araucária e pela riqueza de bacias hidrográficas, como a do Iguaçu e a do Iguape. Ali, desde pelo menos o início da era comum, vivem etnias indígenas, como os Tupi Guarani e os Jê Meridionais.


As etnias

 

Apesar da conhecida rivalidade entre diferentes grupos indígenas, é muito provável que o Planalto de Curitiba tenha sido ponto de contato e de intenso fluxo de povos nativos. Os Guarani (chamados também de Tingui), pertencentes ao tronco linguístico Tupi, viviam mais próximos ao litoral paranaense e da Serra do Mar. Já os Kaingang e os Xokleng (chamados também de Guaianá, Botocudo, Coroado e Gualaxo), pertencentes ao tronco linguístico Jê, ocupavam as campinas, pinheirais e regiões mais altas.

 

Ambas as etnias, Tupi-Guarani e Jê Meridional, eram caracterizadas pela caça e coleta, e viviam da pesca e da agricultura. Além disso, elas não possuíam lugar específico: as aldeias eram sazonais e, portanto, constantemente mudavam de lugar para encontrar terras mais férteis e recuperar os territórios anteriormente utilizados.

 

Por isso é defendido, entre arqueólogos e antropólogos, que o Planalto de Curitiba tenha sido um local de trânsito indígena. Por meio do Caminho do Itupava (trajeto de ligação entre Quatro Barras e Morretes), índios Kaingang ou Tupi podiam subir ou descer a Serra do Mar e garantir a sua sobrevivência, alternando espaços e novas possibilidades de ocupação. Do mesmo modo, mas pelo Caminho do Arraial (que conectava São José dos Pinhais a Morretes), garantia-se o fluxo populacional. 



A Curitiba da abundância

 

E por que havia tanto interesse pela região do Planalto de Curitiba? A etimologia do nome da capital paranaense explica esse enigma. Pelos Kaingang, Curitiba era conhecida como “Curi-Atibá”, que significava “corra, vamos lá”. Mas, para os Guarani, era chamada de “Coritiba”, sendo “coré” = “cateto, caça, comida” e “tiba” = “muito, abundância, fartura''. Assim, esse local era tido como terra da fartura, da abundância e de muita caça. Para muitos pesquisadores, inclusive, “coré” seria “porcos”. Seja como for, o nome “Curitiba” indica a riqueza da fauna da região, sendo assim visada por muitos grupos. [1]

 

[1] Com o tempo, porém, o ‘coré’ passou a ser interpretado como ‘pinhão’. Desse modo, figurou-se o entendimento que perdura até hoje entre os curitibanos, de que “Curitiba” significa “muito pinhão”.

 

Esses fatos mostram que Curitiba já estava presente na linguagem e no imaginário indígenas mesmo antes da chegada dos europeus. É claro, essa região não se tratava de uma vila, de uma cidade ou de um local de ocupação fixa de um povo exclusivo, mas de uma referência espacial conhecida e constantemente habitada. Não à toa, boa parte dos atuais bairros de Curitiba, das cidades da região metropolitana e das formações geográficas do Planalto de Curitiba possui nome de origem indígena.

 

Estes seriam alguns exemplos da influência indígena: Rio Iguaçu (que em Tupi se chama Rio Grande, daí o nome da cidade Fazenda Rio Grande, por onde passa o Iguaçu); Rio Barigui (Rio dos Mosquitos-pólvora); o bairro Umbará (fruto amadurecido); a cidade de Piraquara (toca dos peixes). Além desses casos, há outros tantos nomes de referências geográficas indígenas que foram incorporadas ao português, aspecto que acentua a intensa presença nativa na região do Planalto de Curitiba.

 

 

Tese 1 sobre a povoação

 

Como se pode notar, seria errôneo afirmar que a história de Curitiba se iniciou com a chegada dos europeus na década de 1640. Igualmente seria equivocado entender que, após o início da povoação da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, Curitiba deixou de ser indígena e passou a ser dos imigrantes.

 

Por muito tempo, a historiografia desconsiderou a presença indígena no Planalto de Curitiba, e creditou aos europeus o início de tudo. Nesta tese, seriam os portugueses e descendentes os responsáveis pelo povoamento da região de Curitiba, até então vazia.

 

Tese 2 sobre a povoação

 

Depois, quando passou a identificar a origem indígena de Curitiba e as etnias que a constituíram, a historiografia mudou de tese. Desde então, para explicar como se iniciou o povoamento da cidade por não-indígenas, entende-se que o caráter passivo e amigável dos nativos da região permitiu o bom desenvolvimento da vila em território não civilizado.

 

O discurso que mais representa essa tese é sobre o conhecido cacique Tindiquera. Em lenda publicizada por Romário Martins, o cacique dos Tingui e sua tribo teriam auxiliado os europeus a encontrarem o melhor lugar para iniciar o povoamento em Curitiba. Essa cena, imortalizada pelo quadro de Theodoro de Bona, é representada com o Tindiquera fincando uma vara no chão da atual Praça Tiradentes, onde teria dito aos estrangeiros: Core tiba.

 

Embora seja um mito por completo, o caso do cacique revela um traço importante do modo como os indígenas, hoje, são retratados na história de Curitiba. Eles seriam os povos primitivos que, cientes da superioridade dos europeus, cederam o seu espaço a eles, sem conflito algum. Por isso, quando se fala da presença nativa na capital, ela só é lembrada nesse episódio histórico, como se nos séculos seguintes os nativos tivessem sumido do mapa.


Os fatos

 

Mas isso é mentira. Nem o primeiro contato com os indígenas, muito menos o desenvolvimento da vila a partir de 1640 foi harmônico. Os Tupi Guarani, por exemplo, eram conhecidos pela bravura e pela resistência à incursão de estrangeiros em suas terras. Então, mesmo que tenha existido, o cacique Tindiquera não foi tão amigável assim. Já os Kaingang, de outra forma, eram vistos como mais sociáveis. Contudo, eles foram escravizados e alvo de ataques (e revidaram) durante todo o período colonial e imperial. Ou seja, a harmonia é ilusória.

 

Para explicar melhor, vamos aos casos concretos de tensão social. Durante o período colonial, a Coroa só concedia parcelas de terra (as sesmarias) a quem tivesse poder econômico e bélico para adentrar nas terras indígenas. Era uma condição, inclusive, que os indígenas resistentes à tomada de suas terras fossem escravizados. Sem essa autorização da coroa, não se podia ocupar os sertões incivilizados. Já nas vilas fundadas, a presença de nativos só era aceita quando cativa.

 

Esse foi o caso dos sesmeiros moradores de Curitiba desde a década de 1640. O bandeirante Balthasar Carrasco dos Reis, por exemplo, requisitou uma sesmaria de milhares de alqueires às margens do rio Barigui. Então, a Coroa só a concedeu por saber que Balthasar era possuidor de muitos índios escravizados (que trabalhavam em suas terras e, muitas vezes, as administravam). Do mesmo modo, em 1668, Mateus Martins Leme recebeu uma sesmaria ao lado da de Balthasar, também concedida por se saber que ele era “possante de pessoas”.

 

Consequências

 

Nesse processo de invasão, os indígenas que não morreram em conflitos ou por infecções virais e bacterianas, ou que não foram escravizados, fugiram. Muitos se deslocaram para terras mais distantes de Curitiba, como os Kaingang, que se concentraram cada vez mais em Ponta Grossa e Guarapuava.

 

Então, é necessário enfatizar que a cidade existiu por meio de invasões e da escravização do povo nativo, que há muito vivia no Planalto de Curitiba sem ser incomodado.

 

Deve-se sempre lembrar que a história de Curitiba, antes e depois de sua fundação, foi profundamente influenciada pela cultura indígena.


Texto e pesquisa: Gustavo Pitz


Fontes:


https://www.prppg.ufpr.br/siga/visitante/trabalhoConclusaoWS?idpessoal=21178&idprograma=40001016027P9&anobase=2020&idtc=31


https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/37271127/DISSERTACAO_PEDRO_HENRIQUE_RIBAS_FORTES.pdf?1428712111=&response-content-disposition=inline%3B+filename%3DENTRE_A_POLITICA_INDIGENA_E_A_POLITICA_I.pdf&Expires=1617051486&Signature=DZMq~xaHD8rd0NSQ2lqWoYlAo3-PykBLIjkFzi9lLyqr~WTy87cSWStDn6pyEUTZxg1Hq5p9aZ0Ahl~3IcJ-XFQQPiCvuGdzUNj4anQ0SJzaQmw9cOeKWvPSOEVFlF1FGniyKYddfSvSkmpf-xykN5NMKrsT58fVWWDlyVu-FlISL5eMbDTs9RlblbtlwKzV1bEyMMSnO4esNqIqZKsA0idQR4iOSJpnvJ8bRQE1aeQmj439KrYEc8J81BO9uoVM~PdZzfYbeWRmjjOryll0rszja2dljScLQaujll1oFTK6FnmdL8ssqo-eUqRVhrFOXRiaunnVEmLSTU8mdN2EQw__&Key-Pair-Id=APKAJLOHF5GGSLRBV4ZA

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