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Casa Kirchgässner e a arquitetura modernista

A casa da qual falaremos nesse texto representou um marco para a arquitetura curitibana da primeira metade do século XX e segue chamando atenção mais de 90 anos depois de sua construção.


Trata-se da Casa Kirchgässner, por alguns chamada “casa amarela”, localizada na esquina das Ruas Portugal e Treze de Maio, no Bairro São Francisco.


Mas antes, vamos falar sobre a família que dá nome a esse imóvel: a Família Kirchgässner



Família


A Família Kirchgässner chegou à região Sul do Brasil, vinda da
Alemanha, no ano de 1898. Sua chegada ao país se insere no contexto da grande onda migratória - não apenas de alemães mas de várias outras nacionalidades - do período compreendido entre o fim do século XIX e início do século XX.


Estima-se que o número de imigrantes alemães que chegou ao território brasileiro seja de 250 mil pessoas. Como reflexo disso, dados da década de 2000 apontam que vivem no Brasil aproximadamente 5 milhões de descendentes de alemães.


No período entre 1893 e 1904, em que se insere a vinda dos Kirchgässner, 6.698 imigrantes alemães entraram no Brasil. Esse número é menor que o das décadas imediatamente anteriores e posteriores, mas não deixa de ser significativo.


Um dos primeiros da família a ser registrado no Brasil foi
Frederico Kirchgässner. Ele nasceu em 1898, na cidade de Karlsruhe, no sudoeste da Alemanha, e foi registrado em Ibirama, no Estado de Santa Catarina. Logo menino já demonstrou talento para o desenho e seu tio, reitor da escola de artes de Baden-Baden, cidade alemã, o incentivou a se inscrever em um curso de arquitetura.


E foi em 1918 no
Deutsche Kunstschule - escola de Arte em Berlim -, e na Arkitektur System Karnak-Hechfeld de Potsdam - sistema de autoestudo técnico por correspondência. Mal comparando, uma espécie de EAD dos tempos em que não havia internet.

A Casa Kirchgässner


Depois de ir para a Alemanha para obter seu diploma de arquiteto em 1929, Frederico Kirchgässner construiu, em 1930, a
primeira obra de arquitetura moderna de Curitiba, que foi concluída dois anos depois. A Casa foi projetada para que ele morasse com sua esposa, a artista alemã Hilda Kirchgässner. Desde sua construção até a década de 50 a construção foi uma “ilha do modernismo” na arquitetura curitibana, sendo a única neste estilo na capital paranaense. Sua formação e atividade profissionais fizeram com que Frederico se tornasse o primeiro arquiteto modernista do Brasil.

Justamente por seu vanguardismo, a casa despertava muito interesse e muitos comentários pela cidade. Era diferente do padrão de casas da época, não apenas em sua fachada como também em seu interior.. A disposição dos cômodos foi um “escândalo” para a sociedade curitibana da época, não acostumada com aquele estilo.


O quarto do casal, e único da casa, ficava logo à entrada da residência. Pela existência de apenas um dormitório na casa podemos aferir que o casal não pretendia ter filhos, mas eles acabaram tendo dois: Arwed Kirchgässner, que em seus anos iniciais dormiu com os pais e posteriormente teve a sala de música adaptada como seu quarto; e Frederico Rüdiger, que passou a ter seu quarto no antigo ateliê do pai, no último andar.

Outra peculiaridade para aquela época era a de que havia um banheiro ao lado do quarto do casal, com uma banheira e armários embutidos. Essa estrutura era tida como uma demonstração da intimidade do casal, o que não era comum de ser demonstrado na Curitiba dos anos 1930.


Em entrevista à Gazeta do Povo em 2013, Arwed Kirchgässner, filho mais velho de Frederico e herdeiro da casa, traz relato sobre a curiosidade que a casa despertava:


“Quando fui estudante do Colégio Estadual do Paraná, anos depois de a casa ser construída, meus colegas pediam todos os dias para ir lá e conhecer o banheiro. A curiosidade ainda persistia”


Outro fato curioso sobre a casa é que seu design inicial fazia com que muitos que por ali passavam a confundissem com uma igreja, devido a duas janelas que tinham o formato de uma cruz. Para evitar essas confusões, logo as janelas foram trocadas.

Em terreno íngreme, de 318 m², a casa foi construída em local estratégico, com vista para a cidade e para a Serra do Mar, quando esta ainda não estava bloqueada pelos prédios e outras construções. Essa vista era possível no ponto mais alto da casa, o terraço. Outra peculiaridade era que, por conta da existência desse terraço, não havia um telhado na casa nos moldes tradicionais da época, o que causava muita estranheza aos vizinhos.

Outras construções projetadas por Frederico Kirchgässner


Além da casa em que ele próprio morou, Frederico Kirchgassner também projetou outras duas construções em Curitiba, todas as três próximas entre si, no Bairro São Francisco.


Na mesma década da construção da casa onde morava, ele projetou também uma casa para seu irmão, Bernardo Kirchgässner, em 1936. Seu endereço é na Rua Visconde de Nacar, nº 93. A casa segue o mesmo estilo modernista da projetada seis anos antes.


À época, o
nazismo ganhava força e Adolf Hitler estava no poder na Alemanha, país de origem do arquiteto e onde casas sem telhado, com cobertura plana, eram proibidas.


A arquitetura, lembremos, foi um instrumento através do qual os nazistas tentaram impor sua ideologia. Nesse período, o partido nazista estava instalado no Paraná e havia outros símbolos do partido pela cidade e por clubes de origem germânica. O ato do arquiteto, nesse contexto, não deixou de ser uma afronta e um gesto de
resistência ao ideal nazista, afirma o arquiteto e historiador Irã Dudeque em seu livro Espirais de Madeira: uma história da arquitetura de Curitiba.

As outras e menos conhecidas projetadas pelo arquiteto ficam na Rua Portugal e na Rua Riachuelo. O Edifício Guilherme Weiss, na Rua Riachuelo, foi construído entre 1927 e os anos de 1930 para abrigar o Hotel Martins. Não traz, no entanto, tantos elementos modernistas quanto as casas que projetou para si e para seu irmão. Recentemente foi restaurado e hoje leva o nome de Edifício Regina Weiss de Castilho.


Na Rua Portugal, a construção foi de 1958, mais de 20 anos depois dos outros edifícios anteriormente projetados por Frederico, e também foge das características modernistas. Talvez por isso desperte menor interesse, o que faz com que tenhamos menos informações sobre o prédio.

Estado atual


Depois do falecimento de Frederico Kirchgässner, em 1988, a casa foi tombada em 1991 como
Patrimônio Cultural do Estado do Paraná.


Desde 1999, ano da morte de Hilda Kirchgässner, a casa é mantida pelos herdeiros da família, que costumam bancar os reparos necessários. 


Em 2019, como parte do
projeto o Rosto da Cidade, a Casa Kirchgässner foi revitalizada pela prefeitura e ganhou nova pintura. 


Hoje quem passa pelo local pode observar um símbolo da primeira manifestação da arquitetura modernista em Curitiba, obra do primeiro arquiteto modernista do Brasil.

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