Layout do blog

A Revolução Federalista no Paraná: uma história de violências (1894)
Aqueles que já visitaram a Lapa (PR) certamente já ouviram falar da Revolução Federalista. Para os lapeanos, esse foi o evento histórico mais importante da cidade, motivo de orgulho e altivez. Devido a essa importância, os moradores parecem ainda respirar os ares daquele tempo, através da manutenção de museus e outros patrimônios históricos, da tradição oral e do estímulo aos estudos históricos, tudo isso relacionado ao conflito ocorrido em 1894. Caminhar no centro histórico da Lapa é como voltar 126 anos atrás e vivenciar um dos capítulos mais intensos da História do Paraná. 
Antecedentes da Revolução Federalista
Na época da revolta, o Brasil vivia sob o governo autoritário do Marechal Floriano Peixoto; da mesma forma, o Rio Grande do Sul era liderado pelo governador Júlio de Castilhos, também autoritário. Ambos os políticos seguiam uma linha de governo positivista, cujas principais características eram a defesa da ordem, do progresso e da preponderância do presidente sobre os demais poderes.

Esse contexto político é importante pois ele permite compreender algumas das reivindicações dos federalistas. Os revoltosos defendiam o princípio político federalista e parlamentarista, cuja base é o estabelecimento de um poder aos estados federativos maior do que ao governo central, além da escolha de um primeiro ministro como chefe político, eleito pelos deputados. Nesse sentido, os estados teriam mais autonomia para firmar as suas próprias leis e políticas. Ou seja, o horizonte de ideias dos revoltosos se confrontava diretamente com os governos de Castilhos e Floriano Peixoto. 
Os maragatos: quem eram e por que do nome?

Os federalistas, também conhecidos como maragatos, eram profundamente anti-florianistas e anti-castilhistas. Os membros desse grupo provinham do ambiente rural do Rio Grande do Sul, sendo geralmente proprietários de terras. Durante o período imperial, muitos deles se identificavam com a causa monarquista; assim, quando proclamada a República em 1899, esses se exilaram no sul do Uruguai, na região de San José del Mayo. 
Acredita-se que boa parte dos habitantes de San José del Mayo era espanhola, descendente da região de La Maragateria, na Espanha (região povoada durante a dominação moura por berberes da região do Maragath, no Egito). 
Entre os uruguaios, o termo maragato dizia respeito justamente àqueles oriundos do departamento de San José, descendentes dos maragatos espanhóis. Durante a Revolução, porém, maragato teve sentido pejorativo, pois os republicanos assim chamavam os seus oponentes com um intuito de representá-los como estrangeiros, invasores do território brasileiro.
Maragatos ou federalistas, estrangeiros ou invasores, a verdade é que eles eram pessoas influentes regionalmente e concentravam muito poder em suas mãos, ao ponto de se organizarem politicamente para derrubar Júlio de Castilhos, através da criação do Partido Federalista do Rio Grande do Sul, em 1892, liderado pelo ex-monarquista Gaspar Silveira Martins.
Júlio de Castilhos e o Partido Republicano

Castilhos era o maior representante do Partido Republicano Rio-Grandense, fundado logo depois da Proclamação da República. Ele estava no poder do estado desde 1891, onde governava a partir da constituição que ele próprio formulou. Havia suspeitas de que a sua eleição era fraudulenta, além de graves críticas à maneira centralizadora com a qual ele agia. E claro, os federalistas, agora organizados em um partido, eram os seus principais opositores. 


Imagem: Pintura de Júlio Prates de Castilhos, o órfão que virou um dos maiores nomes da Revolução. 

A Revolução (1893-95)

Formalmente, a Revolução Federalista se iniciou em 5 de fevereiro de 1893, com a chegada das tropas dos maragatos no Rio Grande do Sul, vindas do Uruguai, liderados pelos irmãos Gumercindo e Aparício Saraiva e por Nunes da Silva Tavares, o Joca Tavares. Os revoltosos iniciaram a luta armada tomando posse de algumas cidades do sul do estado, como Bagé e Alegrete, com a finalidade de derrubar as tropas do governo de Castilhos, para então retirá-lo do cargo e propor novas eleições. 
Além disso, o segundo objetivo dos maragatos era depor o presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, que também era considerado ilegítimo. Para tal empreitada, os maragatos visavam chegar com seu exército até o Rio de Janeiro, sede do governo federal, através das conquistas das principais cidades da rota que ligava os gaúchos ao litoral fluminense. Assim, Floriano Peixoto passou a apoiar e oferecer tropas a Castilhos. 
As lutas no Rio Grande do Sul duraram meses. De um lado, os maragatos (que já se orgulhavam desse termo) vestiam as famosas bombachas e as camisas brancas, além do famigerado lenço vermelho (para simbolizar oposição). De outro, as tropas legalistas (do governo), apoiadas por Floriano, vestiam uniformes azuis, barretes (chapéus) vermelhos e lenços brancos, motivo pelo qual eram chamados de pica-paus pelos federalistas (além de também serem conhecidos como chimangos). 

Aos poucos, os maragatos tentaram dominar outras cidades do sul, como Passo Fundo, chegando a Santa Catarina em janeiro de 1894. Apesar de estarem em menor número e poder de fogo, os maragatos persistiram, pois utilizavam estratégias de guerrilha: emboscadas, cercos, sequestros, além de uma profunda violência (muitos de seus prisioneiros eram degolados). 
Os maragatos chegam ao Paraná

As primeiras perguntas que surgem são: por que no Paraná? Por que em Curitiba? Por que na Lapa? Para entender o motivo que fez do estado um palco da Revolução Federalista em 1894, deve-se entender três circunstâncias.

A primeira é que Curitiba era a principal rota terrestre para se chegar ao Rio de Janeiro. A segunda está relacionada ao histórico apoio das cidades do Paraná ao governo federal. Isso fez do estado um quartel general de tropas legalistas, ou seja, do exército federal. Por isso, tanto Curitiba quanto posteriormente a Lapa foram locais de resistência governamental contra os federalistas. 

A terceira é fruto de outro conflito existente naquele momento. Em 1893, membros da marinha descontentes com a política de Floriano Peixoto se rebelaram no Rio de Janeiro, tomaram os navios de guerra e bombardearam a capital. No mesmo momento, eles se uniram aos federalistas, comandando, pelo oceano, cercos às cidades legalistas. Em um certo ponto, maragatos e a marinha chegaram a Ilha do Desterro (atual Florianópolis), em SC, e lá firmaram um governo provisório. Então, eles se dividiram: enquanto as tropas federalistas derrubariam a Lapa e Curitiba rumo a São Paulo, os marinheiros dominariam a cidade de Paranaguá, no litoral, para imobilizar e garantir a queda das tropas governamentais paranaenses. 

Com isso, Floriano Peixoto ficava impossibilitado de mandar tropas para Santa Catarina e Rio Grande do Sul e os federalistas garantiam o domínio de ambos os estados. Tão logo, em 15 de janeiro, os maragatos chegaram a Tijucas do Sul. Após 5 dias de lutas, em 20 de janeiro, eles adentraram em Curitiba, cidade que já havia sido abandonada pelas lideranças locais. Tendo em vista a iminência da perda, políticos e militares da capital se deslocaram a Castro (com o governador da época, Vicente Machado) e, posteriormente, a São Paulo.     

A destruição de Curitiba só não foi completa pois alguns importantes personagens locais resistiram na cidade e negociaram com os maragatos. Dentre eles, o mais famoso certamente foi o Barão do Serro Azul, responsável por levantar fundos e pagar aos maragatos para que estes libertassem reféns e deixassem Curitiba ilesa. Foram entregues 100 mil contos de réis aos invasores. 

Nesse meio tempo, ainda em janeiro, as tropas legalistas se entrincheiravam na cidade da Lapa, a cerca de 65km de Curitiba, para tentar conter o avanço dos maragatos, enquanto o governo federal arranjava meios de enviar mais tropas. Entre 15 de janeiro e 11 de fevereiro, os lapeanos foram cercados pelos revoltosos, antes de serem finalmente derrotados no dia 11, depois de ficarem sem comida e munição. O chamado Cerco da Lapa fez famosas vítimas, dentre elas o general Antônio Ernesto Gomes Carneiro, o coronel Candido Dulcídio Pereira e o tenente José Aminthas da Costa Barros, todos militares legalistas. Atualmente, há várias homenagens aos três líderes assassinados, especialmente com nomes de ruas em diversas cidades paranaenses, incluindo a capital. 
O fim da Revolução Federalista
O dia 26 de abril marcou o fim do domínio maragato na Lapa, em Curitiba e em Paranaguá. Isso foi possível através do reforço do exército federal, que reconquistou a cidade litorânea e pressionou a saída dos federalistas do estado. Ao poucos, as tropas legalistas reorganizaram o controle de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, forçando os líderes revoltosos a se exilarem no Uruguai.

O acordo de paz foi assinado em 23 de agosto de 1895, após mais de 2 anos de guerra. Acredita-se que o conflito terminou com uma debandada de dez mil maragatos para o Uruguai e um saldo de dez mil mortos, segundo as estimativas mais confiáveis. 
Degolas, perseguições e assassinatos: o caso do Barão do Serro Azul
As inúmeras mortes denotam a violência que caracterizou o conflito. Ambos os lados organizaram e aplicaram duras medidas contra seus oponentes. Os maragatos ficaram conhecidos por degolar legalistas aprisionados; por outro lado, os pica-paus revidavam com forte armamento e, posteriormente à vitória, com perseguições contra aqueles considerados colaboradores dos federalistas. 

Esse foi o caso do Barão do Serro Azul e mais cinco companheiros seus, responsáveis pela negociação com os federalistas. No dia 20 de 
maio de 1894, logo após a retomada de Curitiba, eles foram aprisionados ilegalmente pelo pica-pau Ewerton Quadros, sob a alegação de que haviam contribuído com os inimigos federalistas. Então, No dia 20 de maio de 1894, foram postos num vagão de trem com destino a Paranaguá, com o pretexto de um falso julgamento que ocorreria no Rio de Janeiro. Mas, no quilômetro 65 da ferrovia, todos foram assassinados e jogados Serra do Mar abaixo.
Por muito tempo, o Barão foi considerado um traidor do Paraná, justamente porque tentou negociar com os rebeldes; ele foi visto como um integrante da tropo opositora. Após inúmeros estudos e biografias, porém, essa visão foi alterada. Desde 2008, ele enfim foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília. Em sua homenagem há um filme, chamado O Preço da Paz. O longa-metragem, produzido em 2003, mostra detalhes desse capítulo trágico da história do Barão do Serro Azul. Como diz o próprio cartaz do filme, é a “história que Curitiba não conhece”.
O lugar da memória da Revolução Federalista na sociedade lapeana 

Na cidade da Lapa, se entende a luta contra os federalistas de forma heroica. Essa é uma imagem cristalizada pela memória local e por uma historiografia que transformou a cidade e os combatentes em figuras fundamentalmente importantes para a história do Brasil. Por isso, a Revolução Federalista é um mito identitário para os lapeanos.
1. Museu Histórico da Lapa, onde estão expostos objetos pessoais dos combatentes e outros tantos vestígios das lutas. Na imagem ao lado, está a cama e os utensílios médicos utilizados na tentativa de salvar o general Carneiro, além de suas armas e de um quadro retratando o ato.
2. Casa da Memória, cujo acervo documental e material resguarda a história da Lapa.
3. Museu das Armas, onde estão salvaguardados aspectos da história militar da Lapa.
4. Panteão dos Heróis, um tributo aos heróis legalistas mortos no Cerco da Lapa
Texto e pesquisa: Gustavo Pitz

Referência para o texto:
- MOCELLIN, Renato. Pica-Paus x Maragatos. 2014.
- SÊGA, Rafael Augustus. A Revolução Federalista, 110 anos. História & Perspectivas, Uberlândia, (29 e30): 177-215, Jul./Dez. 2003/Jan./Jun. 2004.
- WACHOWICZ, Ruy Christovam. História do Paraná. Curitiba: Editora Gráfica Vicentina, 1988.
- Prefeitura municipal da Lapa: https://lapa.atende.net/
Museu Paranaense:
http://www.museuparanaense.pr.gov.br/arquivos/File/a_revolucao_federalista_no_parana.pdf
Por CYNTIA MARIA 22 ago., 2023
O centenário de um dos maiores botânicos do Brasil. Gerdt Hatschbach, o o homem que coletava.
Por Gabriel Brum 05 mai., 2023
Conheça a história do teatro curitibano, que tem sua expressão máxima no Teatro Guaíra, e possui uma tradição de mais de 160 anos.
Por Gabriel Brum Perin 20 mar., 2023
Saiba mais sobre a história da Umbanda no Brasil e sobre o maior terreiro de Umbanda do Paraná
Mais Posts
Share by: